Esteatose Pancreática – Onde estamos?

Um tema que tem ganhado atenção dos estudiosos de pâncreas ultimamente é a esteatose pancreática. Essa é uma denominação genérica que infere o acúmulo de gordura no pâncreas. Entretanto, existem 2 principais mecanismos para justificar a esteatose pancreática: 

  • O primeiro é chamado é “ fatty replacement”, ou seja, a substituição de células pancreáticas por adipócitos após a morte de células acinares. Isso ocorre em síndromes genéticas e congênitas, como na Fibrose Cística, Shwachman-Diamond e Johanson-Blizzard, além de abuso de álcool, uso de alguns medicamentos (como corticóides, gencitabina, octreotide e rosiglitazona), infecções virais, desnutrição e pós pancreatite aguda necrotizante (a área de necrose muitas vezes é substituída por adipócitos). 
  • O segundo mecanismo é a infiltração gordurosa (ou “fatty infiltration”), na qual os adipócitos se acumulam na glândula, sem haver perda de células acinares. Diferentemente do que acontece com a gordura hepática, que é intracelular, a gordura pancreática se acumula na região interlobular, tanto do parênquima exócrino quanto das ilhotas de parênquima endócrino. Esse mecanismo é o mais associado com a obesidade, DM-2 e coma Síndrome Metabólica.

Epidemiologia

Os dados sobre a incidência e prevalência da esteatose pancreática ainda são escassos, especialmente no ocidente. No oriente, em 16-35% das pessoas tem esse achado em exames de imagem. Em indivíduos submetidos a ultrassom endoscópico, o achado de esteatose pancreática foi em 27% dos pacientes. 

Em metanálise conduzida por Singh e colaboradores de 11 estudos com 12.675 pacientes, a prevalência global foi de 33%. Esses pacientes tiveram 67% maior risco de hipertensão, 108% maior risco de diabetes e 137% maior risco de Síndrome Metabólica. 

A obesidade se mostrou o principal fator de risco para o achado de esteatose pancreática. E alguns estudos também relacionaram o achado de doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD) com esteatose pancreática, embora o acúmulo de gordura pancreática preceda o aparecimento de gordura hepática.

Diagnóstico

O diagnóstico definitivo da esteatose pancreática é com a análise histológica, entretanto é raro dispormos de biópsias pancreáticas no contexto de doenças benignas. Portanto se faz necessário a utilização de exames de imagem não invasivos, tais como:

  • Ultrassom trans-abdominal: é um exame bastante disponível e que não utiliza radiação ou contraste. Entretanto, sendo o pâncreas um órgão retro-peritoneal, a avaliação da glândula é prejudicada por interposição gasosa e pelo próprio biotipo do paciente. A característica ultrassonográfica é de um pâncreas hiperecoico, em comparação com os parênquimas hepático e esplênico. 
  • Ultrassom endoscópico: método mais utilizado para diagnóstico e graduação da esteatose pancreática (que pode variar de I a IV, sendo os tipos I e II considerados pâncreas normais, e tipos III e IV considerados pâncreas esteatóticos). A graduação é feita em comparação com o parênquima do baço. Entretanto, há ainda pouca concordância inter observadores, e são necessários estudos multicêntricos e com maior número de participantes para que essa graduação seja validada. 
  • Tomografia de abdome: na tomografia de abdome sem contraste, podemos observar um pâncreas hipoatenuante em relação ao parênquima esplênico. Há uma boa correlação entre os índices tomográficos de atenuação e a histologia. No estudo sem contraste, porém, pode-se perder o diagnóstico de massas pancreáticas que também podem se apresentar hipoatenuantes. 
  • Ressonância magnética: método seguro e eficaz em diagnosticar a esteatose pancreática, pois tem maior acurácia para avaliação de partes moles. Mais estudos são necessários, no entanto, para determinar a quantidade “ normal” de gordura em indivíduos saudáveis

Impacto clínico

Algumas situações relacionadas com a esteatose pancreática estão sendo levantadas nos estudos mais recentes. Ainda existem muitas dúvidas quanto ao real impacto clínico desse achado, mas o que temos de positivo até o momento é:

  • Relação da esteatose pancreática com a obesidade: há correlação de esteatose pancreática e obesidade, assim como redução da esteatose com a perda de peso. Em indivíduos submetidos a cirurgia bariátrica (by-pass ou gastrectomia vertical) houve diminuição significante da gordura pancreática, independente da perda de peso ou controle de comorbidades (como o diabetes, por exemplo). 
  • Relação da esteatose pancreática com o Diabetes mellitus: em indivíduos diabéticos, o achado de esteatose pancreática é comum, e aumenta com o tempo de doença. Entretanto há dúvidas se a presença de esteatose pancreática pode potencializar a disfunção das células beta pancreáticas, e contribuir para uma piora do controle glicêmico. 
  • Relação da esteatose pancreática e da Doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD): ao que parece, a esteatose pancreática precede a esteatose hepática nos pacientes com Síndrome metabólica. Quase a totalidade de indivíduos com NAFLD (97%) apresentam infiltração gordurosa pancreática concomitante. 
  • Relação de esteatose pancreática e câncer de pâncreas: é sabido que obesidade é considerada fator de risco para adenocarcinoma pancreático e, ao que parece, a infiltração gordurosa no pâncreas tem papel na carcinogênese, independente da obesidade. Esse achado deve-se a lipotoxicidade e liberação de substâncias resultantes do estresse oxidativo, como radicais livres de oxigênio. No pâncreas gorduroso é maior a incidência de neoplasia intra-epitelial (PanIN) e de adenocarcinoma ductal invasivo. Sugere-se, inclusive, que pacientes com esteatose pancreática teriam maior gravidade do acometimento, com mais metástases linfonodais. 

Já outras associações não são possíveis de serem feitas no momento, como: associação com pancreatite aguda, pancreatite crônica ou fibrose pancreática, insuficiência pancreática exócrina ou aparecimento de fístula pancreática no pós operatório. Essas relações ainda são controversas, e necessitam de maiores estudos.

Referências

  1. Sepe, PS et al. A prospective evaluation of fatty pancreas by using EUS. Gastrointestinal Endoscopy, 2011. doi:10.1016/j.gie.2011.01.015
  2. Majumder, S et al. Fatty Pancreas: Should We Be Concerned? Pancreas. 2017 ; 46(10): 1251–1258. doi:10.1097/MPA.0000000000000941.
  3. Catanzaro, R et al. Exploring the metabolic syndrome: Nonalcoholic fatty pancreas disease. World J Gastroenterol 2016 September 14; 22(34): 7660-7675. DOI: 10.3748/wjg.v22.i34.7660
  4. Chang, ML. Fatty Pancreas-Centered Metabolic Basis of Pancreatic Adenocarcinoma: From Obesity, Diabetes and Pancreatitis to Oncogenesis. Biomedicines 2022, 10, 692. https://doi.org/10.3390/biomedicines10030692.

Como citar este artigo

Marzinotto, M. Esteatose Pancreática – Onde estamos? Gastropedia 2021, vol. 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreas/esteatose-pancreatica-onde-estamos




Investigação de Hepatite Medicamentosa (Drug-Induced Liver Injury – DILI): principais conceitos e linha de raciocínio

Aspectos Gerais

A hepatite medicamentosa (Drug-induced liver injury, DILI) é um dos quadros mais desafiadores na Hepatologia devido a ampla disponibilidade de medicações, suplementos e ervas com potencial de hepatoxicidade heterogêneo, variando desde leve elevação de enzimas hepáticas até hepatite aguda pronunciada e insuficiência hepática fulminante (IHF).

Tradicionalmente, DILI pode ser classificada como intrínseca (ou direta) versus idiossincrásica. A primeira é tipicamente dose-relacionada e ocorre na maioria dos pacientes expostos a uma droga, ocorrendo dentro de um curto espaço de tempo (horas a dias). Já DILI idiossincrásica usualmente não é dose-dependente, ocorre em uma menor proporção de indivíduos expostos (imprevisível) e apresenta uma latência variável entre dias a semanas. 

Um pré-requisito comum para DILI intrínseca e idiossincrásica é o metabolismo de drogas lipofílicas no fígado, gerando metabólitos reativos que levam à ligação covalente, estresse oxidativo mitocondrial e do retículo endoplasmático. Tais consequências podem resultar (a) diretamente em necrose ou apoptose [intrínseca] ou (b) em resposta imune adaptativa [idiossincrásica] em indivíduos geneticamente susceptíveis. As principais drogas relacionadas com DILI estão na Tabela 1.

Tabela 1. Drogas associadas com DILI intrínseca e idiossincrásica

Padrões de DILI

Existem 3 padrões de DILI avaliados pela elevação de enzimas hepáticas:

  • Hepatocelular:  se ALT isolada ≥ 5x limite superior da normalidade (LSN)  ou  Fator R ≥ 5
  • Colestático: se FA isolada ≥ 2x LSN  ou  Fator R ≤ 2
  • Misto: Fator R > 2  a  < 5

                                                                                  Clique para calcular

Recomendação

DILI deve ser classificada como hepatocelular, colestática ou mista de acordo com o padrão de elevação de enzimas hepáticas da primeira dosagem laboratorial em relação ao evento clínico. Grau B (EASL, 2019).

Chás, Ervas e Fitoterápicos

A hepatotoxicidade por chás, ervas, fitoterápicos e suplementos está relacionada a diferentes fatores que coexistem: falta de adequada identificação da planta, seleção da parte errada da planta medicinal, armazenamento inadequado modificando o produto nativo, adulteração durante o processamento e rotulagem incorreta do produto. 

Outro desafio é a falta de clareza na real composição de preparações à base de plantas, em especial, de multicompostos. Ressalta-se ainda que um produto fitoterápico pode ser contaminado por compostos tóxicos que levam à hepatotoxicidade, como contaminação por metais pesados, pesticidas, herbicidas ou até mesmo microoganismos. 

Destacam-se alguns fitoterápicos que possuem nível de evidência de hepatotoxicidade:

  • Plantas que contém alcaloides pirrolizidínicos (espécies Heliotropium, Senecia, Crotalaria, Symphytum e Gynura)
  • Germander (“cavalinha”)
  • Kava-kava (Piper methysticum)
  • Chá verde (Camellia sinensis)
  • Sena (Cassia angustifolia)
  • Sacaca (Croton cajucara benth)
  • Chaparral (Larrea tridentata)
  • Poejo (Mentha pulegium)
  • Cáscara sagrada (Rhamnus purshiana)
  • Erva de São Cristóvão (Cimicifuga racemosa)
  • Noni (Morinda citrifolia), entre outras

Dentre os suplementos alimentares, destacam-se:

  • Contém ácido úsnico (LipoKinetix, UCP-1, OxyElite)
  • Hydroxycut
  • Ácido linenoléico
  • Plethoryl (vitamina A e hormônios tireoidianos)
  • Esteróides anabolizantes androgênicos

Recomendação

Suplementos alimentares e fitoterápicos podem ser considerados como potenciais agentes causadores de lesão hepática. Grau C (EASL, 2019).

Causalidade – Escores

Alguns escores podem ser utilizados na avaliação de causalidade para DILI, de forma que os critérios de cronologia (início e suspensão da droga), curso da reação, fatores de risco, exclusão de outras causas, manifestações extra-hepáticas, reexposição, entre outros aspectos, são pontuados e classificados em exclusão ou diagnóstico possível, provável ou definitivo para DILI:

  • Council for International Organizations of Medical Sciences Scale/Roussel-Uclaf-Causality-Assessment-Method (CIOMS/RUCAM);
  • Clinical Diagnostic Scale/Maria and Victorino Scale (CDS/M&V scale);
  • Digestive Disease Week-Japan (DDW-J);
  • DILIN Expert Opinion.

Deve-se ter em mente, entretanto, que os escores não substituem os julgamento clínico, sendo, na realidade, uma tradução, em pontuação quantitativa, da suspeita clínica de DILI.

Avaliação Laboratorial para Exclusão de Causas Alternativas

O diagnóstico de DILI baseia-se na exclusão de causas alternativas de agressão hepática. O padrão de lesão hepática pode auxiliar na investigação inicial para descartar as principais causas de hepatite e colestase (Figura 1). 

Em adição, idade e comorbidades, hábitos individuais dos pacientes e características regionais de doenças infecciosas que podem afetar o fígado podem guiar na avaliação (Tabela 2).

A exclusão de doença de Wilson com dosagem de ceruloplasmina deve ser realizada, em especial, em pacientes com menos de 40 anos.

Tabela 2. Diagnóstico de exclusão na investigação de DILI

Recomendação

A ultrassonografia de abdome deve ser realizada em todos os pacientes com suspeita de DILI. Exame de imagem adicional poderá ser indicado de acordo com o contexto clínico-laboratorial. Grau B (EASL, 2019).

Recomendação

A biópsia hepática pode ser considerada em pacientes selecionados suspeitos para DILI, de forma que a histologia hepática possa fornecer informações que embasem o diagnóstico de DILI ou uma alternativa (Grau D) ou quando os exames levantarem a possibilidade de HAI (Grau C); EASL, 2019.

Conclusão

Em resumo, o principal passo no manejo dos casos de DILI é a suspensão de todas as drogas não-essenciais, incluindo formulações, suplementos, ervas e chás. Desta forma, a maioria dos pacientes cursará com recuperação espontânea clínica e/ou laboratorial, sem a necessidade de medidas adicionais.

Pacientes com evidência clínica ou laboratorial de IHF, como encefalopatia hepática ou coagulopatia, devem ser hospitalizados. 

No geral, terapia medicamentosa fica reservada para situações específicas, como n-acetilcisteína na intoxicação por paracetamol ou DILI idiossincrásica com IHF ou corticóides, se houver a possibilidade de hepatite autoimune ou na presença de componentes de hipersensibilidade.

A reexposição à droga (“rechallenge”) é a dado mais definitivo para o diagnóstico de DILI (ALT>3xLSN), mas deve ser avaliada caso a caso, conforme a gravidade do episódio de DILI e necessidade da terapia medicamentosa (exemplo: agentes quimioterápicos ou tuberculostáticos), sob supervisão especializada e rigorosa.

Referências

  1. European Association for the Study of the Liver. Electronic address: easloffice@easloffice.eu, Clinical Practice Guideline Panel: Chair:, Panel members, et al. EASL clinical practice guidelines: drug-induced liver injury. J Hepatol 2019;70:1222– 61.
  2. Brennan PN, Cartlidge P, Manship T, Dillon JF. Guideline review: EASL clinical practice guidelines: drug-induced liver injury (DILI). Frontline Gastroenterol. 2021 Jul 29;13(4):332-336. doi: 10.1136/flgastro-2021-101886. PMID: 35722609; PMCID: PMC9186030. 
  3. Chalasani NP, Maddur H, Russo MW, Wong RJ, Reddy KR; Practice Parameters Committee of the American College of Gastroenterology. ACG Clinical Guideline: Diagnosis and Management of Idiosyncratic Drug-Induced Liver Injury. Am J Gastroenterol. 2021 May 1;116(5):878-898. doi: 10.14309/ajg.0000000000001259. PMID: 33929376.
  4. García-Cortés M, Stephens C, Lucena MI, Fernández-Castañer A, Andrade RJ. Causality assessment methods in drug induced liver injury: strengths and weaknesses. J Hepatol. 2011 Sep;55(3):683-691. doi: 10.1016/j.jhep.2011.02.007. Epub 2011 Feb 22. PMID: 21349301.
  5. Bessone F, García-Cortés M, Medina-Caliz I, Hernandez N, Parana R, Mendizabal M, Schinoni MI, Ridruejo E, Nunes V, Peralta M, Santos G, Anders M, Chiodi D, Tagle M, Montes P, Carrera E, Arrese M, Lizarzabal MI, Alvarez-Alvarez I, Caballano-Infantes E, Niu H, Pinazo J, Cabello MR, Lucena MI, Andrade RJ. Herbal and Dietary Supplements-Induced Liver Injury in Latin America: Experience From the LATINDILI Network. Clin Gastroenterol Hepatol. 2022 Mar;20(3):e548-e563. doi: 10.1016/j.cgh.2021.01.011. Epub 2021 Jan 9. PMID: 33434654.

Como citar este artigo

Oti, KST. Investigação de Drug-Induced Liver Injury (DILI): principais conceitos e linha de raciocínio. Gastropedia 2023, vol. 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/figado/investigacao-de-hepatite-medicamentosa




Obesidade: conceito, consequências e classificação

A obesidade é um problema de saúde pública com incidência crescente. Nesse artigo vamos discorrer sobre seu conceito, etiologia, classificação e consequências.

  1. Conceito e epidemiologia
  2. Consequencias da obesidade

    • Síndrome metabólica

  3. Classificação
  4. Etiologia

1. Conceito e epidemiologia

A obesidade pode ser definida pelo acúmulo de tecido gorduroso localizado ou generalizado, provocado por desequilíbrio nutricional, associado ou não a distúrbio genético ou endócrino-metabólico.

Obesidade é uma doença crônica cuja prevalência está aumentando em adultos, crianças e adolescentes e atualmente é considerara uma epidemia global. Antes considerado um problema de países desenvolvidos, a obesidade agora torna-se um problema de saúde importante também em países em desenvolvimento.

Obesidade em adultos está relacionada a redução da expectativa de vida

O sedentarismo associado as dietas com alto teor calórico incluindo não apenas carboidratos, mas também gorduras saturadas, açúcar e sal, tem contribuído para o aumento da obesidade, principalmente após a década de 80.

  • Segundo a WHO, em 2015 haviam 600 milhões de adultos com obesidade.

  • Nos EUA, são obesos mórbidos (classe III), 9.2 % da população (IMC > 40 kg/m2).

  • NO Brasil obesidade acometia 12,2% da população adulta em 2002-2003 e subiu para 26,8% em 2020, segundo IBGE

  • 29,5% das mulheres têm obesidade — praticamente uma em cada três — contra 21,8 dos homens.

  • O sobrepeso, por sua vez, foi encontrado em 62,6% das mulheres e em 57,5% dos homens.


2. Consequências da obesidade

A obesidade grave (tipo III) está associada aumento significativo de morbidade e mortalidade. Por outro lado, a perda de peso está associada a redução da morbidade associada a obesidade.

São estados patológicos agravados pela presença da obesidade e que são melhoradas pelo seu controle, dentre as mais frequentes:

  • HAS
  • DM II
  • Insuficiência vascular periférica
  • Colelitíase
  • Artropatias
  • Insuficiência coronariana
  • Dislipidemias
  • Esteatose hepática
  • Apneia do sono
  • Incontinência urinária
  • DRGE
  • Condições de limitação física e outras.

A mortalidade de obesos graves é 250% maior do que não-graves.

A mortalidade por câncer, principalmente de endométrio, também está aumentada para obesos.

Síndrome metabólica

Síndrome Metabólica corresponde a um conjunto de doenças cuja base é a resistência insulínica. Quando presente, a Síndrome Metabólica está relacionada a uma mortalidade geral duas vezes maior que na população normal e mortalidade cardiovascular três vezes maior.

Segundo Consenso Brasileiro, a Síndrome Metabólica ocorre quando estão presentes três dos cinco critérios abaixo:

  • Obesidade central – circunferência da cintura superior a 88 cm na mulher e 102 cm no homem;
  • Hipertensão Arterial – pressão arterial sistólica ≥ 130 e/ou pressão arterial diatólica ≥ 85 mmHg;
  • Glicemia alterada (glicemia ≥ 110 mg/dl) ou diagnóstico de Diabetes;
  • Triglicerídeos ≥ 150 mg/dl;
  • HDL colesterol ≤ 40 mg/dl em homens e ≤ 50 mg/dl em mulheres

* Se IMC >30, a circunf. abdominal não precisa ser determinada pois a obesidade central está presumida.

                                                        

3. Classificação

O principal índice para medir e classificar o grau da obesidade é o IMC, visto sua facilidade de aplicação e correlação com riscos de morbimortalidade.

Classificação IMC (kg/m2)
Abaixo do Peso < 18,5
Peso Normal 18,5 a 24,9
Sobrepeso 25 a 29,9
Obesidade grau I ou leve 30 – 34,9
Obesidade grau II ou moderada 35 – 39,9
Obesidade grau III ou grave ≥ 40
Superobeso ≥ 50
Classificação de acordo com o índice de massa corpórea (IMC). IMC é calculado dividindo o peso em kg pela altura (em metros) ao quadrado

        

Outra medida útil, especialmente em asiáticos e pacientes com IMC entre 25-35 é a medida da circunferência abdominal, visto que a obesidade central (associada a maiores riscos cardiometabólicos) pode não ser capturada nesses pacientes.

  • CA > 102 cm sexo masculino
  • CA > 88 cm sexo feminino

Obs: pop asiática admite-se > 90 (masc) e >80 (fem)

                                                        

4. Etiologia

Existem múltiplos fatores que podem contribuir com o desenvolvimento da obesidade

  • Genética: criança com um pai obeso apresenta risco 3-4 x maior de desenvolver obesidade. Dois pais obesos, o risco é 10 x maior
  • Idade: tendência a aumento de peso
  • Hábitos e estilo de vida: consumo de alimentos calóricos, gordurosos, sal, açúcar, sedentarismo
  • Medicações: alguns antidepressivos, antipsicoticos, anticonvulsivantes, hipoglicemiantes (insulina e sulfonilureias), hormônios contraceptivos
  • Comorbidades: hipotireoidismo, sd cushing
  • Microbiota intestinal: crescentes evidências do papel do microbiota
Saiba Mais

https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/obesidade/reganho-de-peso-e-perda-de-peso-insuficiente-apos-cirurgia-bariatrica/

Como citar esse artigo

Martins BC. Obesidade: conceito, consequências e classificação. Gastropedia, vol I, 2023. Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/obesidade/obesidade-conceito-consequencia-classificacao




Diverticulite aguda não complicada – dar antibiótico ou não, eis a questão?

Por muito tempo, acreditou-se que microperfuração e infecção são as causas da diverticulite e a antibioticoterapia era um dogma dos cirurgiões lidando com essa afecção.

O mecanismo fisiopatológico geralmente aceito foi questionado porque novas evidências sugerem que a diverticulite é principalmente um processo inflamatório primário que pode resultar em microperfuração, em vez de uma complicação da própria microperfuração.

Diverticulite não complicada é caracterizada por uma inflamação aguda do cólon limitada à parede colônica e tecidos adjacentes, sem pneumoperitôneo livre, abscesso pélvico, fístula ou obstrução. Microperfuração com pneumopetirôneo localizado, na ausência de resposta inflamatória sistêmica, é considerada diverticulite não complicada.

Atualmente, há dois ensaios clínicos randomizados de qualidade com seguimento em longo prazo, além de revisões sistemáticas (vide referências abaixo), mostrando que os antibióticos não são necessários para tratamento da diverticulite não complicada.

Um desses ensaios clínicos randomizados foi o estudo sueco AVOD (sigla em sueco para “antibióticos na diverticulite não complicada”).

  • Nesse ensaio, 623 pacientes de dez centros, internados com diverticulite não complicada de cólon esquerdo confirmada por tomografia, foram divididos aleatoriamente em dois grupos:

    • 1) reposição volêmica intravenosa somente
    • 2) reposição volêmica intravenosa e antibióticos.

  • Os autores não encontraram diferenças entre os grupos em relação a progressão para complicações, falha de tratamento, dor, recorrência em um ano, tempo de internação ou tempo de recuperação.
  • Este grupo de estudo publicou recentemente um acompanhamento de longo prazo desta coorte, com média de 11 anos de seguimento, e não foram vistas diferenças significativas entre os dois grupos em termos de recorrência (ambos ~ 31%), complicações, necessidade de cirurgia ou qualidade de vida.

O segundo ensaio clínico randomizado controlado (DIABOLO) mais recente do The Dutch Diverticular Disease Collaborative Study Group comparou a eficácia do tratamento de pacientes que apresentam seu primeiro episódio de diverticulite sigmoide com antibióticos versus observação.

  • Foram incluídos 528 pacientes com diverticulite não complicada comprovada por tomografia e aleatoriamente designados para um curso de dez dias de amoxicilina com clavulanato (48 horas de tratamento intravenoso seguido de administração oral) ou observação ambulatorial e o desfecho primário foi tempo para recuperação.
  • O tempo médio de recuperação para o grupo de tratamento com antibióticos foi de 12 dias (IQR 7–30) versus 14 dias no grupo de observação (IQR 6–35; p = 0,15).
  • Não houve diferenças significativas entre os grupos com relação a ocorrência de eventos adversos leves ou graves, mas o grupo antibiótico teve uma taxa maior de eventos adversos relacionados a antibióticos (0,4% versus 8,3%; p = 0,006).
  • Após 24 meses de acompanhamento, o grupo publicou um novo estudo mostrando que não houve diferenças significativas entre os dois grupos em relação à mortalidade, diverticulite recorrente (complicada ou não complicada), reinternação, eventos adversos ou necessidade de cirurgia.

Uma revisão Cochrane também não encontrou diferenças significativas nos resultados entre pacientes com diverticulite não complicada tratados com ou sem antibióticos. Esses estudos sugerem que uma proporção de pacientes com diverticulite não complicada pode ser tratada sem antibióticos. 

É importante enfatizar que quase todos os pacientes incluídos nesses estudos eram relativamente saudáveis e apresentavam doença diverticular em estágio inicial (Hinchey I e Ia). Portanto, o uso de antibióticos continua a ser apropriado em todos os outros estágios da doença. O uso de antibióticos continua sendo apropriado para pacientes de alto risco com comorbidades significativas, sinais de infecção sistêmica ou imunossupressão.

Embora os ensaios acima mencionados forneçam evidências de nível I para o tratamento não antibiótico da diverticulite não complicada, ainda não há um amplo consenso na prática atual. A diretriz combinada SAGES/EAES, obtida através de voto de especialistas a respeito de determinado tópico, não obteve consenso.

Conclusão

  • Baseado em estudos de qualidade, em casos diverticulite não complicada é seguro fazer o tratamento sem antibióticos.
  • Nesses pacientes, os estudos não demonstraram benefícios de curto ou longo prazo no uso de antibióticos.
  • A decisão terapêutica deverá ser feita baseado nas necessidades individuais de cada paciente.
  • O tempo necessário para que mudemos nossas condutas baseados em evidências científicas de qualidade é tópico para outra discussão…

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Referências

  1. Hall J, Hardiman K, Lee S, Lightner A, Stocchi L, Paquette IM, Steele SR, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Treatment of Left-Sided Colonic Diverticulitis. Dis Colon Rectum. 2020 Jun;63(6):728-747. doi: 10.1097/DCR.0000000000001679. PMID: 32384404.
  2. Chabok A, Påhlman L, Hjern F, et al. Randomized clinical trial of antibiotics in acute uncomplicated diverticulitis. Br J Surg. 2012;99(4):532-9.
  3. Daniels L, Ünlü Ç, de Korte N, et al. Randomized clinical trial of observational versus antibiotic treatment for a first episode of CT-proven uncomplicated acute diverticulitis. Br J Surg. 2017;104(1):52-61. 
  4. van Dijk ST, Daniels L, Ünlü Ç, et al. Long-Term Effects of Omitting Antibiotics in Uncomplicated Acute Diverticulitis. Am J Gastroenterol. 2018;113(7):1045-1052.

Como citar este artigo

Camargo MGM. Diverticulite aguda não complicada – dar antibiótico ou não, eis a questão? Gastropedia 2023, vol. 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/diverticulite-aguda-nao-complicada-dar-antibiotico-ou-nao-eis-a-questao




Qual o tratamento atual da colite por Clostridioide difficile em adultos?

A infecção pelo Clostridioide difficile (antigo Clostridium difficile) é uma importante causa de diarreia associada ao uso de antibióticos. Praticamente qualquer antibiótico pode provocar esse distúrbio, mas a clindamicina, as penicilinas (como a ampicilina e a amoxicilina), as cefalosporinas (como a ceftriaxona) e as fluoroquinolonas (como o levofloxacino e ciprofloxacino) estão mais frequentemente envolvidas. 

O tratamento da colite pelo Clostridioide difficile ainda é um desafio na prática clínica. A primeira conduta a se adotar é a interrupção do antibiótico causador da colite.

Inicialmente alguns conceitos precisam estar bem definidos, tais como:

  • Colite grave: quando leucócitos > 15000, creatinina > 1,5 ou temperatura > 38,5°.
  • Colite fulminante: presença de hipotensão ou choque, íleo paralítico ou megacólon tóxico.

As recomendações atuais são:

Primeiro episódio não grave

– Vancomicina VO 125mg 6/6h 10 dias ou
– Fidaxomicina 200mg VO 12/12h 10 dias 
– Na indisponibilidade: Metronidazol 500mg VO 8/8h 10-14 dias

Primeira recorrência não grave

– Vancomicina desmame lento (125mg 6/6h 10-14 dias, 12/12h por 7 dias, 1 x dia por 7 dias e a cada 2-3 dias por 2-8 semanas) ou
– Fidaxomicina 200mg VO 12/12h 10 dias (caso tenha usado vanco) ou
– Vancomicina dose convencional + bezlotoxumabe (10mg/kg IV dose única se: segundo episódio de colite ocorre dentro de 6 meses do episódio inicial e >65 anos e/ou imunodeprimidos)
Segunda recorrência não grave – Transplante de microbiota fecal ou 
– Fidaxomicina pulsado (200mg 12/2h 5 dias e depois 200mg em dias alternados por 20 dias) ou 
– Vancomicina desmame lento ou 
– Fidaxomicina dose convencional ou vancomicina dose convencional + beztoloxumabe 
Primeiro episódio grave – Fidaxomicina ou vancomicina 
– Considerar associar beztoloxumabe se paciente de alto risco (segundo episódio de colite ocorre dentro de 6 meses do episódio inicial, >65 anos e/ou imunossuprimidos)

Colite fulminante

– Vancomicina 500mg VO 6/6h + Metronidazol 500mg 8/8h EV podendo associar com Vancomicina retal (500mg em 100ml de solução salina retal por 6 horas) se presença de íleo paralítico
– Considerar a tigeciclina (100mg IV ataque e 50mg 12/12h)

O que temos observado recentemente é a incorporação da fidaxomicina como primeira linha em casos leves ou graves e o papel do beztoloxumabe (anticorpo monoclonal) na prevenção de recorrência.

O transplante de microbiota fecal desempenha uma importante estratégia na segunda recorrência, mas em casos complicados ainda há dúvidas.

Atualmente ainda não dispomos da fidaxomicina nem do beztoloxumabe no Brasil.

Referência bibliográfica

  1. J Antimicrob Chemother. 2022, Dec 23;78(1):21-30
  2. Clin Microbiol Infect. 2021 Dec;27 Suppl 2:S1-S21

Como citar este artigo

Carlos A. Qual o tratamento atual da colite por Clostridioide difficile em adultos? Gastropedia vol. 1, 2023. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/sem-categoria/strongqual-o-tratamento-atual-da-colite-por-emclostridioide-difficile-em-em-adultos/




Imunodeficiência Comum Variável e Câncer Gástrico

Fatores de risco comumente relacionados com o desenvolvimento do câncer gástrico (CG) incluem a infecção crônica pelo Helicobacter pylori (H. pylori), baixa ingestão de frutas e vegetais, consumo de sal elevado, tabagismo e consumo de álcool.

Outro fator de risco conhecido, porém pouco citado, é a presença de Imunodeficiências primárias (IDP), que além de aumentar o risco de desenvolvimento de CG ocasiona sua manifestação em idades mais precoces do que na população geral.

As IDP são um conjunto de doenças que abrangem mais de 300 defeitos inatos da imunidade, sendo a maioria de causa desconhecida. Portadores de IDP apresentam risco aumentado de infecções recorrentes e crônicas, doenças autoimunes e neoplasias ao longo da vida.

Seguido das infecções, a ocorrência de neoplasias é a segunda causa mais comum de morte nessa população. Estima-se que 4 a 25% dos portadores de IDP desenvolverão alguma neoplasia. Especificamente, o risco de desenvolver CG é em torno de 3 a 4 vezes maior nessa população

Com relação aos pacientes com IDP, a presença de distúrbios gastrointestinais é bastante frequente, podendo ocorrer em 5% a 50% dos casos. Isto ocorre, em parte, porque o intestino é o maior órgão linfóide do corpo humano, contendo a maioria dos linfócitos e produzindo grandes quantidades de Imunoglobulinas. Manifestações gastrointestinais podem ser relacionadas com infecção, inflamação, doenças autoimunes e neoplasias.

Imunodeficiência comum variável (IDCV)

A imunodeficiência comum variável (IDCV) é a forma mais comum das IDP, e sua prevalência é estimada em 1 a cada 25.000 a 50.000 pessoas.

Sua patogênese ainda não foi totalmente esclarecida, entretanto mutações de diversos genes relacionados com o desenvolvimento de células B em plasmócitos produtores de imunoglobulinas e células B de memória foram descritos.

Indivíduos afetados comumente apresentam infecções bacterianas recorrentes do trato respiratório superior e inferior, doenças autoimunes, doença infiltrativa granulomatosa e neoplasias. Os tumores mais comuns são o linfoma, câncer gástrico e o câncer de mama.

O diagnóstico é baseado na redução significativa dos níveis séricos de IgG, IgA e/ou IgM, além da produção reduzida de anticorpos após a aplicação de vacinas. A maioria dos pacientes é diagnosticado entre os 20 e 40 anos, e o tratamento consiste na administração mensal de imunoglobulina.

IDCV e Câncer Gástrico

O aumento do risco de CG em pacientes com IDCV é variável de acordo com a própria taxa de incidência de CG em pacientes sem IDCV no país avaliado. Nesse sentido, um estudo escandinavo estimou um risco aumentado em 10 vezes, enquanto um estudo australiano demonstrou um risco aumentado de 7,23 vezes.

Embora não haja evidência conclusiva, o mecanismo mais aceito para o aumento do risco do CG na presença de IDCV deve-se a redução da produção de IgA gástrica e de ácido clorídrico ― fatores estes que propiciam gastrite crônica e facilitam a colonização por H. pylori, desencadeando o processo de carcinogênese. Esse mecanismo é suportado pela constatação de que pacientes com anemia perniciosa, que também apresentam acloridria e gastrite crônica, têm um risco três vezes maior de desenvolver CG. A diminuição da reposta imune local também é um fator que pode desempenhar um papel no desenvolvimento neoplásico, devido a menor presença de células B na mucosa gástrica de pacientes com IDCV.

A idade do diagnóstico do câncer em pacientes com IDCV costuma ocorrer em idade mais precoce, em média 15 anos mais cedo do que na população geral.

Em relação ao diagnóstico histológico do tumor, o tipo Intestinal de Lauren costuma ser o mais frequente, apresentando grau de diferenciação moderado ou pouco diferenciado. Além disso, pangastrite atrófica com pouca presença de plasmócitos, agregados linfóides nodulares e atividade apoptótica costumam estar presentes devido ao quadro de gastrite autoimune associada.

Figura 1. Pangastrite atrófica intensa em um paciente com IDCV.

Frente às evidências de maior risco de desenvolvimento de CG, é importante que os pacientes com IDCV sejam incluídos em programas de rastreamento. Dados holandeses demonstraram que há uma incidência alta de lesões histológicas e/ou endoscópicas pré-malignas em pacientes com IDCV, tais como gastrite atrófica, metaplasia intestinal e displasia, mesmo naqueles assintomáticos. Até 88% dos pacientes com IDCV sem história gastrointestinal prévia podem apresentar lesões pré-malignas na endoscopia. As taxas de progressão dessas lesões para o CG variam de 0–1,8% por ano na gastrite atrófica; de 0–10% por ano para metaplasia intestinal; e de 0–73% por ano quando já existe presença de displasia.

Intervalos entre os exames de seguimento normalmente empregados podem não ser apropriados para pacientes com IDCV, uma vez que o desenvolvimento do CG pode ocorrer de modo mais rápido. De fato, não existe um protocolo de rastreamento padronizado, e seu emprego deve levar em consideração a incidência de CG regional. Paciente com IDCV podem desenvolver câncer de alto grau de 12 a 14 meses após uma endoscopia sem sinais de displasia. Isso justifica a proposta de no mínimo realizar EDA em todos os pacientes com IDCV no momento do diagnóstico; repeti-la a cada 24 meses em pacientes com histologia normal; a cada 12 meses em pacientes com gastrite atrófica ou metaplasia intestinal; e a cada 6 meses em pacientes com displasia. Recomenda-se ainda a erradicação do H. pylori de rotina.

Tratamento

Não existem protocolos específicos para o tratamento do câncer em pacientes com IDCV. Uma vez realizado o diagnóstico de CG, estes pacientes devem ser submetidos ao tratamento padrão – o mesmo oferecido à população imunocompetente.

Suporte nutricional pré-operatório e administração de Imunoglobulina são medidas recomendadas. Pacientes com IDCV podem receber os mesmos protocolos de quimioterapia utilizados em pacientes imunocompetentes. Entretanto, protocolos de curta duração são preferíveis aos regimes de longa duração, com atenção especial ao controle de infecção. Quando possível, o regime de quimioterapia deve ser adaptado conforme os fatores de risco e tolerância individuais.

Figura 2. Adenocarcinoma em paciente com IDCV e gastrite crônica atrófica de coto gástrico.

Referência

Krein P, Yogolare GG, Pereira MA, Grecco O, Barros MAMT, Dias AR, Marinho AKBB, Zilberstein B, Kokron CM, Ribeiro-Júnior U, Kalil J, Nahas SC, Ramos MFKP. Common variable immunodeficiency: an important but little-known risk factor for gastric cancer. Rev Col Bras Cir. 2021 Dec 15;48:e20213133. English, Portuguese. doi: 10.1590/0100-6991e-20213133. PMID: 34932733.

Como citar este artigo

Ramos MFKP. Imunodeficiência Comum Variável e Câncer Gástrico. Gastropedia 2023 vol. 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/strongimunodeficiencia-comum-variavel-e-cancer-gastrico/




Quando indicar o contraste hepatoespecífico na avaliação de lesões focais hepáticas?

Rotineiramente, na ressonância magnética (RM) de abdome, utiliza-se o contraste extracelular inespecífico (gadolínio), o qual se distribui conforme a distribuição dos vasos e capilares sanguíneos e determina, assim, uma padrão dinâmico de impregnação da lesão focal hepática nas fases arterial, portal (venosa) e equilíbrio.

Em casos selecionados, pode-se indicar os contrastes intracelulares específicos, também denominados de hepatoespecíficos e que podem ser de duas principais classes: (1) óxido de ferro superparamagnérico e (2) hepatobiliares, sendo este último captado especificamente pelas células hepáticas e com excreção renal (50%) e biliar (50%). No Brasil, há a aprovação do contraste hepatobiliar, conhecido como ácido gadoxético (Gd-EOB-DTPA, PrimovistÒ).

Desta forma, além de fornecer os dados habituais do estudo dinâmico, há a etapa final de avaliação hepatobiliar, após cerca de 10 a 20 minutos da injeção endovenosa, na qual há a entrada do contraste nos hepatócitos através dos transportadores de membrana (OATP1, B1/B3) e saída através de proteínas dependentes de ATP multifármaco-resistentes (MRP2, MRP3, MRP4), sendo o transportador MRP2 o encarregado em excretar o contraste no canalículo biliar.

Quais as indicações do contraste hepatoespecífico?

Sabendo-se que o ácido gadoxético é captado pelos hepatócitos e excretado em cerca de 50% pela via biliar, espera-se que um tecido hepático normofuncionante seja impregnado pelo contraste na fase hepatobiliar. Desta forma, a não captação do ácido gadoxético na fase hepatobiliar infere que não há hepatócitos ou canalículos biliares viáveis na lesão avaliada.

Podemos enumerar 3 principais indicações no uso do ácido gadoxético na avaliação de lesões focais hepáticas:

1. Diferenciação entre hiperplasia nodular focal (HNF) e adenoma

Adenoma e HNF são terceiro e segundo tumores hepáticos benignos mais frequentes, respectivamente.

O adenoma é caracterizado por cordões de hepatócitos e ausência de ductos biliares ou tratos portais, logo, na fase hepatobiliar, não apresenta captação na fase hepatobiliar.

Já a HNF caracteriza-se por um aglomerado de hepatócitos hiperplásicos e pequenos canalículos biliares imaturos que não se comunicam com os maiores, o que pode gerar um acúmulo (retenção) de contraste hepatoespecífico na fase hepatobiliar em relação ao parênquima hepático adjacente. Pode-se ainda encontrar uma cicatriz fibrosa central que direciona o padrão da lesão para HNF.

Fonte: arquivo pessoal, em colaboração com Dra Ângela Caiado

Figura 1. Nódulo hipervascularizado no segmento VII hepático medindo 1,2 cm, com padrão de retenção do contraste hepatoespecífico (tardia, 20 minutos), compatível com hiperplasia nodular focal.
.

2. Avaliação de nódulos hepáticos em pacientes cirróticos

  • Nódulos regenerativos e displásicos x neoplásicos (carcinoma hepatocelular, CHC)
  • Identificação de pequenos CHCs (<2cm) e melhor avaliação de lesões focais com comportamento atípico em exame contrastado prévio, com realce inespecífico.

O CHC é o tumor primário do fígado mais comum. No paciente cirrótico, um nódulo igual ou maior que 2,0cm de diâmetro, com padrão típico hipervascular na fase arterial (wash-in) e com clareamento nas fases tardias (wash-out) é diagnosticado como CHC.

Em lesões menores que 2 cm, os achados típicos não costumam ser vistos com frequência, em especial nos CHCs iniciais bem diferenciados. Nesses casos, o estudo com contraste hepatoespecífico pode contribuir com achados adicionais, sendo desafiador a distinção entre nódulo displásico de alto grau e CHC bem diferenciado.

Fonte: arquivo pessoal, em colaboração com Dra Ângela Caiado.

Figura 2. Nódulo na face anterior do segmento II/III, medindo 1,2 cm, com realce na fase arterial, clareamento precoce e sem retenção na fase hepatoespecífica.

3. Avaliação de metástases hepáticas

As lesões metastáticas não possuem hepatócitos ou ductos biliares funcionantes, logo, não há a captação de contraste na fase hepatobiliar. Além disso, a captação do contraste hepatoespecífico pelos hepatócitos do parênquima normal aumenta a diferença de contrastação com as lesões metastáticas (hipointensas), elevando a sensibilidade da detecção das mesmas.

Fonte: arquivo pessoal, em colaboração com Dra Ângela Caiado.

Figura 3. Metástases hepáticas em paciente com neoplasia de cólon. Há sinais de hepatectomia direito com aumento compensatório do lobo esquerdo. Nas lesões metastáticas, nota-se realce arterial periférico com lavagem e ausência de retenção na fase hepatoespecífica.

Em resumo, na Tabela 1, pode-se identificar os padrões típicos das lesões hepáticas focais nas fases contrastadas.

Tabela 1. Características das lesões hepáticas focais nas fases dinâmicas e hepatobiliar

CHC: carcinoma hepatocelular.

Pontos de reflexão sobre o contraste hepatoespecífico

Além do maior custo, é descrito na literatura a maior ocorrência de artefatos respiratórios após a injeção do contraste hepatoespecífico na fase arterial em alguns pacientes, podendo estar relacionado à dificuldade de se sustentar a apnéia e/ou dispneia subjetiva.

Conclusão

O contraste hepatoespecífico aumenta a acurácia diagnóstica na detecção e caracterização de lesões focais hepáticas, em especial nas mencionadas na Tabela 1, e devem ser avaliadas de acordo com o quadro clínico dos pacientes.
Nódulos com padrão atípico nos exames contrastados devem ser avaliados caso a caso, podendo ser indicados a biópsia hepática para adequada elucidação ou exames de imagem periódicos para seguimento.

Referências

  1. Palmucci S. Focal liver lesions detection and characterization: The advantages of gadoxetic acid-enhanced liver MRI. World J Hepatol. 2014 Jul 27;6(7):477-85. doi: 10.4254/wjh.v6.i7.477. PMID: 25067999; PMCID: PMC4110539.
  2. European Association for the Study of the Liver (EASL). EASL Clinical Practice Guidelines on the management of benign liver tumours. J Hepatol. 2016 Aug;65(2):386-98. doi: 10.1016/j.jhep.2016.04.001. Epub 2016 Apr 13. PMID: 27085809.
  3. Hyperintense Liver Masses at Hepatobiliary Phase Gadoxetic Acid–enhanced MRI: Imaging Appearances and Clinical Importance. Nobuhiro Fujita, Akihiro Nishie, Yoshiki Asayama, Kousei Ishigami, Yasuhiro Ushijima, Daisuke Kakihara, Tomohiro Nakayama, Koichiro Morita, Keisuke Ishimatsu, and Hiroshi Honda. RadioGraphics 2020 40:1, 72-94.
  4. Moosavi, B., Shenoy-Bhangle, A.S., Tsai, L.L. et al. MRI characterization of focal liver lesions in non-cirrhotic patients: assessment of added value of gadoxetic acid-enhanced hepatobiliary phase imaging. Insights Imaging 11, 101 (2020). https://doi.org/10.1186/s13244-020-00894-3.
  5. Roberts LR, Sirlin CB, Zaiem F, Almasri J, Prokop LJ, Heimbach JK, Murad MH, Mohammed K. Imaging for the diagnosis of hepatocellular carcinoma: A systematic review and meta-analysis. Hepatology. 2018 Jan;67(1):401-421. doi: 10.1002/hep.29487. Epub 2017 Nov 29. PMID: 28859233.
  6. Koh, DM., Ba-Ssalamah, A., Brancatelli, G. et al. Consensus report from the 9th International Forum for Liver Magnetic Resonance Imaging: applications of gadoxetic acid-enhanced imaging. Eur Radiol 31, 5615–5628 (2021). https://doi.org/10.1007/s00330-020-07637-4.
  7. Glessgen CG, Breit HC, Block TK, Merkle EM, Heye T, Boll DT. Respiratory anomalies associated with gadoxetate disodium and gadoterate meglumine: compressed sensing MRI revealing physiologic phenomena during the entire injection cycle. Eur Radiol. 2022 Jan;32(1):346-354. doi: 10.1007/s00330-021-08114-2. Epub 2021 Jul 29. PMID: 34324024; PMCID: PMC8660712.

Como citar este artigo

Oti, KST. Quando indicar o contraste hepatoespecífico na avaliação de lesões focais hepáticas? Gastropedia 2023, vol. 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/quando-indicar-o-contraste-hepatoespecifico-na-avaliacao-de-lesoes-focais-hepaticas




Terapia biológica em esofagite eosinofílica: onde estamos?

A esofagite eosinofílica (EEo) é uma doença inflamatória imunomediada crônica do esôfago, cuja prevalência tem aumentado rapidamente, atingindo atualmente 1 em 3.000 pessoas nos países ocidentais. Caso não seja tratada adequadamente, a remodelação progressiva do tecido leva a uma progressão para doença fibroestenótica

Os tratamentos atuais de primeira linha (Figura 1) incluem o uso off-label de inibidores da bomba de prótons (IBPs), corticosteroides tópicos reaproveitados de formulações para asma, dietas de eliminação e dilatação esofágica.

Embora sejam modalidades eficazes para o tratamento da EEo, cada um tem eficácia variável e limitações conhecidas, tais como:

  • IBP: Resposta histológica estimada em 50.5% (intervalo de confiança de 95%: 42.2 a 58.7%). Dados são limitados, mas mostram que adultos persistem em remissão após 1 anos de seguimento;
  • Corticóides tópicos: Até o momento, exigem o uso off-label de preparações para asma, tais com engolir propionato de fluticasona de um inalador dosimetrado ou criar uma pasta viscosa com budesonida aquosa e um espessante, como sucralose ou mel.

    • A remissão clínico-histológica é observada em até 68% dos pacientes. Deve-se orientar os pacientes para evitar refeições por 30 a 60 minutos após uso da medicação e sobre o risco de candidíase esofágica em até 10 a 20%.
    • Várias novas formulações de corticosteróides que melhoram a ação tópica no esôfago e minimizam o importuno de criar sua própria pasta estão atualmente sob investigação. O comprimido orodispersível de budesonida, por exemplo, mostrou resultados interessantes (remissão clínico-histológica de 57.6% em 6 semanas e 84.7% em 12 semanas) e foi aprovado para uso na Europa.

  • Dieta:

    • A dieta elementar consiste na ingesta exclusiva de fórmulas com aminoácidos livres e tem resposta histológica de até 91%, mas é algo pouco aplicável na rotina.
    • Por sua vez, a dieta de eliminação de 6 alimentos (6-food elimination diet) é a mais clássica e consiste em retirar os gatilhos mais comuns (laticínios, trigo, ovos, soja, amendoim e nozes, peixes e mariscos) por 6 semanas. A partir de então, realiza-se nova endoscopia com reintrodução sistemática de cada um dos grupos por 6 semanas e nova endoscopia, na tentativa de identificar o alimento associado.

      • Apesar de complexa, estudos demonstram remissão histológica em até 70% dos pacientes, com remissão a longo prazo caso mantenha a restrição de forma adequada.

    • Na tentativa de evitar tantas endoscopias e restrições, há variações desta dieta: 4-food elimination diet (laticínios, trigo, ovos e soja) e 2-food elimination diet (lacticínios e trigo), com taxa de remissão clínico-histológica de 54 e 43%, respectivamente.

Figura 1: Fluxograma de opções para tratamento de esofagite eosinofílica. No contexto apropriado, dilatação endoscópica também pode ser necessária. Adaptado de Beveridge & Falk (2020)[1]

No dia a dia, nos deparamos com alguns casos em que há maior dificuldade de tratamento com estas terapias clássicas e, portanto, biológicos têm sido usados no contexto de ensaios clínicos. Em 2022, o dupilumabe tornou-se a primeira (e atualmente única) terapia biológica aprovada para EEo pelo FDA (Food and Drug Administration) nos Estados Unidos. Vários outros agentes biológicos estão sendo investigados ativamente para este fim. 

Clicando aqui, você consegue checar a lista atualizada de ensaios clínicos em andamento para EEo.

Para entender os potenciais alvos para tratamento da terapia biológica, devemos lembrar que a EEo se caracteriza por resposta imunológica do tipo 2 (Th2), envolvendo células T, eosinófilos, mastócitos e as citocinas interleucina-4, interleucina-5, interleucina-13 e linfopoietina estromal tímica (TSLP)

Os principais biológicos atualmente em estudo na EEo são:

  • Dupilumabe: anticorpo monoclonal que tem como alvo a cadeia de interleucina (IL)-4Rα, interferindo assim na ligação de IL-4 e IL-13 com o receptor. Foi aprovado pelo FDA como tratamento para EEo em maio de 2022. É aprovado pela ANVISA para tratamento de dermatite atópica moderada a grave, asma eosinofílica grave e rinossinusite crônica com pólipos nasais (ATUALIZAÇÃO MAIO/2023: ANVISA aprovou em Abril/2023 o uso de dupilumabe para o tratamento de esofagite eosinofílica em pacientes a partir de 12 anos de idade e com peso corporal igual ou superior a 40 kg – https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/novos-medicamentos-e-indicacoes/dupixent-dupilumabe-nova-indicacao-4 ). Estudo de fase 3 publicado recentemente no New England Journal of Medicine incluiu pacientes refratários a altas doses de IBP e identificou que uma dose semanal subcutânea de dupilumabe 300 mg resultou em melhora clínica e 60% de resposta histológica nas semanas 24 e 52. Embora muitos estudos tenham mostrado melhora endoscópica e histológica, o dupilumabe é o único cujo estudo randomizado duplo-cego mostrou melhora significativa de sintomas até o momento. Os efeitos adversos mais comuns foram reações no local da injeção (até 20%), nasofaringite (até 12%) e cefaleia (até 8%).
  • Benralizumabe: Bloqueio do receptor para IL-5. Estudo de fase 3 em andamento.
  • Reslizumabe e Mepolizumabe: Ligam-se à IL-5, evitando a ativação do receptor de IL-5. Ensaios clínicos até demonstraram melhora de eosinofilia esofágica, mas não houve benefícios clínicos significativos.
  • Omalizumabe: Anti-IgE, utilizado em asma alérgica e urticária espontânea crônica. Ensaios clínicos demonstraram pouca resposta clínica e histológica, que a inflamação na EEo não é mediada por IgE. Não é promissora.
  • Cendakimabe (RPC4046 ou CC-93538): Bloqueio do receptor para IL-13. Estudo de fase 3 em andamento.
  • Lirentelimabe (Antolimabe ou AK002): Anticorpo contra a lectina 8 semelhante a imunoglobulina ligadora de ácido siálico (Siglec-8). Siglec-8 é um receptor de superfície encontrado em eosinófilos e mastócitos humanos. A ligação de um anticorpo neste receptor induz apoptose de eosinófilos ativados e inibe ativação mastocitária. Estudo de fase 2/3 em andamento.
  • Tezepelumabe: Bloqueia a TSLP. Foi aprovado em 2022 pela ANVISA para tratamento de asma grave. Estudo de fase 3 em andamento

Os resultados decepcionantes em termos de resposta clínica até o momento podem ser consequência da complexa fisiopatologia da EEo, que envolve múltiplas vias de sinalização. ​​A perpetuação da resposta inflamatória e da patogênese dos sintomas é determinada por múltiplas células imunes e citocinas, de modo que mesmo quando uma citocina e uma via são interrompidas, vias alternativas e mecanismos compensatórios podem existir para continuar a propagar a inflamação.

Além disso, embora vários estudos demonstrem redução do número de eosinófilos no tecido esofágico, a falta de efeito sobre os sintomas clínicos sugere que os eosinófilos não são os únicos responsáveis ​​pelos sintomas de EEo. Acredita-se que as alterações na remodelação tecidual (como estenose e dismotilidade) sejam as principais responsáveis ​​pelos sintomas graves. A duração do tratamento na maioria dos ensaios de EoE é curta e pode não ser suficiente para reverter estas alterações crônicas.

Conclusão

Ainda há muito o que avançar na terapia biológica em EEo. Devemos sempre questionar também se a EEo, uma doença localizada no esôfago, realmente se beneficiaria de drogas de ação sistêmica. Além disso, é necessário que posicionemos adequadamente estas novas terapias que estão surgindo e surgirão em algoritmos de tratamento para definirmos não apenas o que podemos usar, mas também quando é o melhor momento para utilizá-las.

Saiba mais sobre esofagite eosinofílica na nossa live sobre o assunto. Link para post com os slides

Live Completa sobre Eosfagite Eosinofílica
https://gastropedia.pub/pt/live/esoofagite-eosinofilica-tudo-o-que-voce-queria-saber/

Referência

[1] Beveridge C, Falk GW. Novel Therapeutic Approaches to Eosinophilic Esophagitis. Gastroenterol Hepatol 2020;16:294–301.

[2] Nhu QM, Aceves SS. Current state of biologics in treating eosinophilic esophagitis. Ann Allergy, Asthma Immunol 2023;130:15–20. doi:10.1016/j.anai.2022.10.004.

[3] Zhang S, Assa’ad AH. Biologics in eosinophilic esophagitis. Curr Opin Allergy Clin Immunol 2021;21:292–6. doi:10.1097/ACI.0000000000000741.

[4] Straumann A. Biologics in Eosinophilic Esophagitis — Ready for Prime Time? N Engl J Med 2022;387:2379–80. doi:10.1056/NEJMe2213030.

[5] Dellon ES, Rothenberg ME, Collins MH, Hirano I, Chehade M, Bredenoord AJ, et al. Dupilumab in Adults and Adolescents with Eosinophilic Esophagitis. N Engl J Med 2022;387:2317–30. doi:10.1056/NEJMoa2205982.

Como citar este arquivo

Lages RB. Terapia biológica em esofagite eosinofílica: onde estamos? Gastropedia; vol. 1, 2023. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/sem-categoria/terapia-biologica-em-esofagite-eosinofilica-onde-estamos/




Adenocarcinoma de vesícula biliar: Como proceder diante do diagnóstico inesperado

A colecistectomia é uma das cirurgias mais realizadas no mundo. Estima-se que nos Estados Unidos sejam feitas um número superior a 500.000 por ano, sendo a maioria dos procedimentos motivados por colelitíase. Outras alterações como pólipo de vesícula biliar > 1 cm e vesícula biliar em porcelana se somam a colelitíase como indicações frequentes para o procedimento. As três causas citadas são fatores de risco para adenocarcinoma de vesícula biliar – diagnóstico que, muitas vezes, se apresenta como uma surpresa desagradável no retorno do paciente ao cirurgião geral.

Dessa forma, no contexto de diagnóstico incidental, apontaremos nesse artigo quais são os detalhes importantes para a tomada de decisão no retorno e como obter o melhor desfecho oncológico dos pacientes elegíveis.

Figura 1 – Neoplasia maligna de vesícula biliar

O que observar no laudo anatomopatológico?

O principal documento para tomada de decisão será o relatório anatomopatológico. Além do estadiamento, existem outros detalhes que podem nos trazer mais informações sobre o prognóstico do paciente e opções de tratamento após a colecistectomia.

Tabela 1 – Estadiamento segundo a 8ª edição AJCC.

É importante que o laudo contenha, além da profundidade de invasão:

Margem do ducto cístico: em caso de margem comprometida a cirurgia demandará a dissecção do ducto com congelação intraoperatória. Uma margem de ducto cístico positiva envolve a possibilidade de acometimento da via biliar principal e o resgate cirúrgico pode envolver uma reconstrução biliodigestiva.

Sítio da lesão: face peritoneal ou hepática da vesícula biliar

Anteriormente descrito como fator determinante para evolução do paciente, o sítio do tumor T2 passou a fazer parte do estadiamento na sua oitava atualização. Pacientes com lesão na face hepática apresentam maior disseminação linfonodal, invasão perineural e vascular; apresentando, portanto, uma menor sobrevida em 05 anos.

A reabordagem cirúrgica para ampliação de margem hepática e linfadenectomia do ligamento hepatogástrico e duodenal possui benefício em sobrevida para pacientes com estadiamento pT1b, pT2 e pT3. Os pacientes pT1a são considerados tratados adequadamente com uma colecistectomia (taxa de cura de 85 a 100%)1,2

O acometimento secundário do linfonodo cístico (Mascagni), que frequentemente acompanha a vesícula biliar na colecistectomia comum, proporciona um pior prognóstico, mas não contraindica a reabordagem. Existem protocolos que defendem iniciar tratamento dos casos N+ com neoadjuvância, mas ainda sem resultados conclusivos.

O que faz diferença para decidir ampliar a ressecção?

Dados da cirurgia: Os melhores resultados de ampliação de margem hepática e linfadenectomia do hilo hepático se dá com cirurgiões afeitos a cirurgia hepatobiliopancreática ou em centros especializados em cirurgia oncológica. Caso o paciente seja elegível a ressecção, é importante que o cirurgião receba informações adicionais sobre a colecistectomia.

Dados como impressão de vesícula ou lesão remanescente, suspeita intra-operatória de Síndrome de Mirizzi em um contexto de colecistite aguda ou da estimativa intraoperatória do tamanho do ducto cístico remanescente podem auxiliar no planejamento da reoperação. 

Perfuração da vesícula biliar: Pacientes que apresentaram perfuração da vesícula biliar durante o primeiro procedimento possuem desfecho oncológico significativamente pior1.

Figura 2 – Resultado de colecistectomia realizada na suspeita prévia de adenocarcinoma de vesícula biliar.

Investigação adicional Recomenda-se ao menos um exame de imagem axial contrastado – tomografia ou ressonância magnética – a fim de estadiamento oncológico e planejamento operatório. Nesse exame, avalia-se suspeita de lesão residual ou metástase, variações anatômicas da vascularização arterial hepática (presente em 25% da população)3 e linfonodos suspeitos para acometimento secundário.

Figuras 3 e 4 – Aspecto tomográfico e ultrassonográfico de uma lesão suspeita para adenocarcinoma de vesícula biliar.

Tratamento operatório

A reabordagem cirúrgica pode ser indicada por videolaparoscopia ou cirurgia aberta a depender da expertise do cirurgião. Caso opte-se por cirurgia aberta, iniciar o procedimento com uma laparoscopia diagnóstica pode trazer dados complementares ao estadiamento e evitar incisões/ morbidade desnecessária.

Linfadenectomia hilar: Recomenda-se realização da linfadenectomia do ligamento hepatogástrico e hepatoduodenal. Recomenda-se a ressecção de no mínimo 06 linfonodos para estadiamento adequado2.

Ressecção hepática: Em paciente sem evidência de doença macroscópica residual, recomenda-se uma ressecção da fossa da vesícula biliar – segmentos IVb e V – com profundidade de 2 cm. Ressecções mais extensas dependerão da lesão residual, acometimento vascular ou biliar e da ultrassonografia intraoperatória1,2.

Na busca por uma ressecção R0, hepatectomias major e ressecções vasculares apresentaram grande morbidade e, até o momento, contribuição modesta para a sobrevida desses pacientes.

Ressecção de portais laparoscópicos da primeira cirurgia: A ressecção dos portais foi sugerida com intenção de evitar implantes tumorais, na intenção de corrigir uma contaminação durante a primeira cirurgia. Entretanto, a prática não é mais encorajada. Estudos demonstraram ausência de benefício em sobrevida, com risco 15% de hérnia incisional4. Pacientes com evidência de lesão tumoral nos portais demonstraram desfecho semelhante a pacientes com metástase peritoneal.

Referências

  1. Qadan, M. & Kingham, T. P. Technical Aspects of Gallbladder Cancer Surgery. Surg Clin North Am 96, 229–245 (2016).
  2. Aloia, T. A. et al. Gallbladder Cancer : expert consensus statement. HPB 17, 681–690 (2015).
  3. Castaing, D. & Veilhan, L. Anatomie du foie et des voies biliaires. Tech. Chir. – Appar. Dig. 1, 1–12 (2006).
  4. Fuks, D., Marc, J., Le, R. Y., Chiche, L. & Farges, O. Incidental Gallbladder Cancer by the AFC-GBC-2009 Study Group. World J. Surg. 35, 1887–1897 (2011).
  5. Amin, M. B., Edge, S.B., Greene, F. L., et al. AJCC Cancer Staging Manual. 8th ed. New York: Springer (2017)

Como citar este artigo

Magalhães DP. Adenocarcinoma de vesícula biliar: Como proceder diante do diagnóstico inesperado. Gastropedia, vol. 1. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/adenocarcinoma-de-vesicula-biliar-como-proceder-diante-do-diagnostico-inesperado/




Pancreatite Aguda Recorrente – Etiologia e Diagnóstico

Pancreatite Aguda Recorrente (PAR) é definida como dois ou mais episódios de pancreatite aguda (PA), com intervalo de no mínimo 3 meses entre os eventos, na ausência de sinais de pancreatite crônica (PC). 

  • No geral, a etiologia dos episódios de pancreatite consegue ser elucidada em 70-90% dos casos, com a investigação adequada.
  • Ainda assim, com todas as armas diagnósticas disponíveis hoje, 10-30% dos casos permanecem sem etiologia definida.
  • O risco de recorrência após um episódio de pancreatite aguda é de 11-32%

Etologia

As principais causas de pancreatite aguda de repetição são:

  • Litíase biliar – assim como em episódios únicos, a litíase biliar é a principal causa de PAR, sendo responsável por cerca de 40% dos casos.
  • Álcool: o consumo de álcool é fator de risco para pancreatite aguda, pancreatite aguda recorrente e pancreatite crônica. Nos EUA, estima-se que 30% das PAR sejam causadas por libação alcoólica, geralmente em indivíduos já etilistas.
  • Tabagismo: o tabagismo atualmente é reconhecido como fator de risco independente para PA e PAR
  • Obstruções ductais por neoplasias de pâncreas ou peri-ampulares.
  • Medicações: algumas medicações são causadoras de PA e PAR, embora seja difícil estabelecer a relação causa/efeito. Nos casos suspeitos, é recomendado que se afaste outras etiologias mais frequentes.
  • Hipertrigliceridemia: o aumento de triglicérides séricos (> 1000 mg/dL) está relacionado com episódios únicos ou recorrentes de PA.
  • Pancreatite auto-imune: a PAI tipo II (doença restrita ao pâncreas) pode ser causa de PAR, embora não se saiba a real prevalência. A doença por IgG4 (Pancreatite auto-imune tipo I) raramente é causa de PAR
  • Anormalidades genéticas: a genética envolvida em doenças pancreáticas é bastante complexa. Sabe-se que variantes patogênicas de alguns genes como: CFTR, PRRS-1, CTRC, SPINK-1 estão mais presentes em pacientes com PAR, sugerindo que possam ter relação com o aparecimento do quadro clínico

Possíveis etiologias controversas

  • Pancreas divisum: a variação anatômica de dominância do ducto dorsal é presente em até 10% da população, e 95% não apresenta nenhum sintoma pancreático. Entretanto, ao estudar a população com PAR, a prevalência do pancreas divisum pode chegar a 50%. Ainda assim, não está estabelecido como causa de PAR.
  • Disfunção do esfíncter de Oddi (SOD): a anormalidade está presente em apenas 1,5% da população, entretanto é muito mais frequente nas PAR idiopáticas (até 72%). A suspeita deve ser levantada quando, além da dor e elevação de enzimas pancreáticas, observamos elevação de enzimas canaliculares.

Como investigar

O primeiro passo diante de um quadro de PAR é a exclusão de malignidades e da própria pancreatite crônica. Uma boa história clínica e exame físico podem nos direcionar para alguns fatores de risco, como etilismo e tabagismo ou uso de medicações, ou sintomas sugestivos de pancreatite crônica. 

Uma imagem adequada da glândula, através da ressonância magnética com colangio-pancreato ressonância pode afastar a possibilidade de neoplasias pancreáticas ou peri-ampulares. 

A ecoendoscopia tem acurácia semelhante à RM para exclusão de tumores, entretanto pode auxiliar no diagnóstico de pancreatite crônica precoce, além de afastar o diagnóstico de microlítiase, que pode ser a etiologia da PAR. Em lugares em que há disponibilidade, é interessante realizar o exame. 

A pesquisa genética pode ser realizada nos pacientes com PAR, especialmente se o quadro clínico se der em pacientes jovens ou com histórico familiar de pancreatite. Entretanto deve-se atentar para o real benefício da testagem, visto que não há terapia específica possível no caso de diagnóstico de mutação, e o custo da pesquisa ainda é elevado. 

A manometria do esfíncter de Oddi é o exame adequado para os casos de suspeita de disfunção do esfíncter, entretanto esse exame é pouco disponível no Brasil, além do risco de 25% de pancreatite aguda pós procedimento. Além disso, nos casos de SOD sem dilatação de ductos na imagem (SOD tipo III), a sensibilidade do exame é apenas 42%. 

Abaixo, um algoritmo para investigação de casos de pancreatite aguda recorrente:

Referências Bibliográficas

  1. Guda MN et al. Recurrent Acute Pancreatitis International State-of-the-Science Conference With Recommendations. Pancreas 2018;47: 653–666
  2. Jagannath S, Garg PK. Recurrent Acute Pancreatitis: Current Concepts in the Diagnosis and Management. Curr Treat Options Gastro (2018) 16:449–465. 
  3. Rehman A et al. Sphincter of Oddi dysfunction: an evidence-based review. Curr Treat Options Gastro (2018) 16:449–465. 
  4. Somogyi L et al. Recurrent Acute Pancreatitis: An Algorithmic Approach to Identification and Elimination of Inciting Factors. Gastroenterology 2001;120:708–717
  5. Imagem de macrovector no Freepik

Como citar este artigo

Marzinotto, M. Pancreatite Aguda Recorrente – Etiologia e Diagnóstico. Gastropedia 2023, vol 1. Disponível em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreas/pancreatite-aguda-recorrente