Hemorragia Diverticular: quadro clínico e tratamento
A hemorragia de um divertículo do cólon é a causa mais comum de HDB em doentes com mais de 60 anos, porém menos de 5% dos doentes com diverticulose terá hemorragia gastrointestinal 1.
Com a herniação diverticular no ponto de fraqueza dos vasos, a vasa recta fica mais exposta ao conteúdo do cólon, levando a espessamento da camada íntima e adelgaçamento da camada média, que predispõe a ruptura do vaso para o lumen.
Fisiopatologia do sangramento diverticular
Quadro clínico da hemorragia diverticular
Tipicamente apresenta-se como sangramento volumoso e indolor, geralmente autolimitado, mas pode ser fatal.
O cólon direito é o foco do sangramento em 50 a 90% dos casos (proximal ao ângulo esplênico).
Cerca de 80% destas cessam espontaneamente.
A recorrência é comum e ocorre em 25 a 50% dos casos.
O exame de escolha no diagnóstico da hemorragia diverticular é a colonoscopia, a qual pode ser diagnóstica e terapêutica. Importante realizar o preparo do cólon mesmo no contexto de sangramento para aumentar a eficácia do exame 2. A anuscopia deve ser realizada mesmo sem preparo de colón para excluir causas de sangramento anorretais. Em casos em que não é possível o preparo do cólon, pode-se realizar a arteriografia, a cintilografia ou a angio tomografia.
Coágulo aderido em um divertículo, indicando local de sangramento recente. Imagem cedida pela Dra. Renata Nobre
Tratamento da hemorragia diverticular
O manejo da hemorragia digestiva baixa aguda de acordo com as recomendações da associação de gastroenterologia americana (ACG) (Strate LL, et al. Am J Gastroenterol. 2016) incluem:
Abordagem inicial em casos de HDB: história clínica, exame físico e laboratoriais, simultaneamente com a ressuscitação volêmica.
a ressuscitação volêmica tem como meta a normalização da PA e da FC antes do procedimento endoscópico.
Pacientes com Hb<7 devem ser transfundidos. Pacientes cardiopatas pode-se estabelecer 9 g/dl como meta de Hb.
a COLONOSCOPIA é o melhor método diagnóstico para avalição destes pacientes e deve ser realizada após estabilização hemodinâmica incluindo preparo de cólon para limpeza de coágulos e fezes residuais a fim de permitir a avaliação adequada da mucosa visando encontrar o local do sangramento. É importante a intubação da válvula ileocecal para avaliação de possível sangramento de intestino delgado ou trato digestivo alto.
o momento ideal da colonoscopia em pacientes de alto risco ou com sinais de sangramento é a realização de preparo de cólon imediatamente após a ressuscitação volêmica e a realização da colonoscopia em até 24 horas após início do quadro e confirmação de preparo de cólon adequado, o qual aumenta as taxas diagnóstica e de sucesso terapêutico. Entretanto, duas recentes metanálises de estudos randômicos (evidencia 1A) demonstraram que a realização de colonoscopia nas primeiras 24 horas não reduz a mortalidade ou o ressangramento em pacientes com HDB, de forma que a decisão do momento da colonoscopia deve avaliada individualmente 4,5.
o TRATAMENTO ENDOSCÓPICO deve ser realizado em pacientes com estigmas de sangramento incluindo sangramento ativo, vaso visível e coágulo aderido.
a injeção de adrenalina (1:10000 ou 1:20000) pode ser utilizada como método inicial para redução do sangramento ativo, porém deve ser sempre associada a outro método seja ele mecânico ou térmico.Em sangramento diverticular recomenda-se o tratamento com hemoclips por serem mais seguros que métodos térmicos e mais simples que a ligadura elástica.
Em casos de sangramento mais severos em divertículos, a realização de tatuagem após o tratamento pode ser útil em casos de recidivas para facilitar a identificação na reabordagem, seja ela endoscópica ou cirúrgica.
a EMBOLIZAÇÃO POR RADIOLOGIA INTERVENCIONISTA deve ser considerada em pacientes com sangramento ativo severo com EDA sem sinais de sangramento os quais não conseguem tolerar o preparo de cólon pois não responderam adequadamente a ressuscitação volêmica. Em pacientes que falharam ao tratamento endoscópico a embolização por angiografia também está indicada.
a CIRURGIA está indicada apenas em casos de falha de tratamentos menos invasivos como colonoscopia e angiografia terapêutica.
É importante antes da cirurgia localizar o local exato do sangramento a fim de evitar a ressecção de local inadequado ou necessidade de ressecção extensa do cólon. A colectomia total apenas deve ser realizada quando não há correta identificação do local do sangramento. Ressecções em pacientes com hemorragia diverticular com localização do sangramento incerta mostraram uma mortalidade pós-operatória de 43% em comparação com 7% em pacientes com localização bem definida do sangramento 6.
Sangramento diverticularInjeção de adrenalinaAplicação de hemoclipe. Imagens cedidas pela Dra. Renata Nobre
Tursi A, Scarpignato C, Strate LL, Lanas A, Kruis W, Lahat A, Danese S. Colonic diverticular disease. Nat Rev Dis Primers. 2020 Mar 26;6(1):20. doi: 10.1038/s41572-020-0153-5.
Pasha SF et al. The role of endoscopy in the patient with lower GI bleeding. Gastrointestinal Endoscopy 79, 875–885 (2014). [PubMed: 24703084]
Strate LL, Gralnek IM. ACG Clinical Guideline: Management of Patients With Acute Lower Gastrointestinal Bleeding. Am J Gastroenterol. 2016 Apr;111(4):459-74. doi: 10.1038/ajg.2016.41.
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Parkes BM, Obeid FN, Sorensen VJ, Horst HM & Fath JJ The management of massive lower gastrointestinal bleeding. Am Surg 59, 676–678 (1993). [PubMed: 8214970]
Gastroparesia: quando pensar, por que ocorre e como diagnosticar
Quando pensar?
Gastroparesia significa literalmente “paralisia do estômago”. É um distúrbio caracterizado por contrações gástricas mais fracas e lentas do que o necessário para digerir a comida e passá-la para o intestino, fazendo com que a comida fique muito tempo no estômago.
Náuseas e vômitos são, sem dúvidas, os sintomas cardinais na gastroparesia. Contudo, outros sintomas dispépticos, tais como plenitude pós-prandial, saciedade precoce, dor epigástrica, inchaço (“bloating”) na parte superior do abdome e eructação estão frequentemente presentes. Esses sintomas, no entanto, podem se sobrepor amplamente com os de dispepsia funcional, tornando o diagnóstico mais desafiador.
Nos Estados Unidos, com base em banco de dados de sinistros de seguro, a prevalência padronizada de gastroparesia foi de 267,7 por 100.000 adultos
a prevalência de gastroparesia “definitiva” (indivíduos com sintomas persistentes por mais de 3 meses + cintilografia confirmatória) foi de 21,5 por 100.000 pessoas.
A análise demonstrou uma prevalência duas vezes maior em mulheres e maior entre 58 a 64 anos. (Ye Y et al. 2022).
As etiologias mais frequentes de gastroparesia são diabetes mellitus (37.5%–57.4%), idiopática (11.3%–39.4%), medicamentos (11.8%–19.6%) e pós-cirúrgico (1.1%– 15.0%). Outras etiologias possíveis associadas são colagenoses, doenças neurológicas e hipotireoidismo.
Quando consideramos especificamente os diabéticos, a incidência cumulativa estimada em 10 anos é de 5,2% em diabetes mellitus tipo 1 e de 1,0% em tipo 2 (apesar da gastroparesia por DM2 ser muito mais prevalente, visto esse tipo de diabetes ser muito mais comum). Na Tabela 1, estão listadas as principais etiologias.
Etiologia
Prevalência estimada
Diabetes mellitus
37,5 – 57,4%
Idiopática (muitos desses pacientes provavelmente tiveram um insulto infeccioso ou inflamatório prévio)
11,3 – 39,4%
Medicamentos (opioides, anticolinérgicos, agonistas dopaminérgicos, análogos de GLP-1, agonistas canabinoides, bloqueadores de canais de cálcio)
11,8 – 19,6%
Pós-cirúrgico (vagotomia, fundoplicatura, bariátrica, gastrectomia parcial, colecistectomia, transplante cardíaco ou pulmonar, ablação por radiofrequência)
1,1 – 15,0%
Doenças do tecido conjuntivo (esclerose sistêmica, lúpus)
Portanto, a gastroparesia deve ser considerada em pacientes com sintomas crônicos de náusea, vômito, saciedade precoce e/ou dor abdominal, principalmente naqueles com diabetes, histórico de cirurgias abdominais ou torácicas, colagenoses, doenças neurológicas ou em uso de medicamentos de risco. Além disso, a gastroparesia pode estar presente em até 10% dos pacientes com doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) refratária.
Outra dica importante é considerar este diagnóstico naqueles que, apesar de relatarem jejum adequado para o exame, apresentam endoscopia digestiva alta com grande quantidade de resíduos gástricos sem sinais de obstrução.
Por que ocorre?
A gastroparesia decorre de qualquer alteração que induza disfunção neuromuscular do trato gastrointestinal, uma vez que o esvaziamento gástrico reflete a coordenação de diferentes regiões do estômago e duodeno, bem como a modulação extrínseca do sistema nervoso central. Isso inclui relaxamento fúndico para acomodação do alimento, contrações antrais, relaxamento pilórico e coordenação do antro, piloro e duodeno, conforme descrito na Figura 1. Além disso, há evidências de que tanto a hipersensibilidade visceral quanto a central são relevantes de um ponto de vista fisiopatológico para alguns pacientes com gastroparesia.
Muitos dos pacientes com gastroparesia idiopática provavelmente tiveram um insulto infeccioso ou inflamatório prévio. Essa hipótese é sustentada pela observação de que alguns pacientes relataram início súbito de sintomas após um pródromo viral, inclusive com relatos pós-COVID-19. A gastroparesia pós-viral geralmente melhora ao longo de um ano. No entanto, uma pequena proporção de pacientes com infecções por vírus como citomegalovírus, herpes vírus, norovírus, varicela zoster e Epstein-Barr pode estar associada a disautonomia aguda, que resulta em distúrbio generalizado da motilidade, levando a levando a sintomas persistentes.
Figura 1: Fisiopatologia dos mecanismos envolvidos na geração dos sintomas de gastroparesia. Adaptado de Lacy BE et al, 2022 [2]
Como diagnosticar?
Uma anamnese detalhada, incluindo uma revisão de medicamentos e fatores de risco, é o ponto de partida para um adequado diagnóstico de gastroparesia. Posteriormente, o exame físico pode excluir uma causa orgânica (por exemplo, uma massa, evidência de obstrução intestinal parcial), identificar etiologias subjacentes (por exemplo, esclerodermia) e avaliar sinais de desnutrição. Exames laboratoriais básicos devem ser realizados (hemograma completo, perfil metabólico básico, TSH, hemoglobina glicada).
A endoscopia digestiva altaé obrigatória para descartar uma causa mecânica dos sintomas. Biópsias podem ser realizadas, caso necessário. Em caso de suspeita clínica, também podem ser necessários exames de imagem para excluir obstrução mecânica, como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética de abdome (considerar realização de protocolos com enterografia).
O exame padrão-ouro para o diagnóstico de gastroparesia é a cintilografia para determinação do tempo de esvaziamento gástrico (Figura 2), com uma refeição sólida radiomarcada. Trata-se do método mais custo-efetivo, simples e disponível para avaliar a motilidade gástrica.
Medicações que afetam a motilidade gástrica devem ser interrompidas pelo menos 48 horas antes do exame. Em pacientes diabéticos, a hiperglicemia deve ser tratada antes do exame – o teste deve ser realizado apenas com glicemia capilar inferior a 180 mg/dL.
Estabeleceu-se que os valores de referência compatíveis com retardo de esvaziamento gástrico são:
Retenção gástrica > 60% em 2 horas;
E/OU Retenção gástrica > 10% em 4 horas.
Apesar de classicamente não haver correlação entre intensidade de sintomas com as taxas de esvaziamento gástrico, a retenção gástrica em 4 horas pode ser classificada em:
Leve: retenção de 10 a 15%;
Moderada: retenção de 15 a 35%;
Grave: retenção > 35%.
É essencial que a avaliação do esvaziamento seja continuada por 4 horas após a ingestão da refeição, pois essa medida tem uma sensibilidade maior quando comparada com a avaliação em 2 horas.
Figura 2: Cintilografia de esvaziamento gástrico mostrando retenção importante de radiofármaco 2 e 4 horas após a ingestão de 99mTc-enxofre coloidal misturado em alimento sólido (2 claras de ovos com sal + 2 fatias de pão, 30g de geleia e 120ml de água)
Outros métodos disponíveis para medir o esvaziamento gástrico são cápsulas de motilidade sem fio e testes respiratórios com isótopos estáveis (13C espirulina). No entanto, a reprodutibilidade é baixa a moderada e os testes são demorados e caros. Outra opção interessante para avaliar a motilidade gástrica é a eletrogastrografia, mas que também é um método pouco disponível.
Referências
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Lacy BE, Tack J, Gyawali CP. AGA Clinical Practice Update on Management of Medically Refractory Gastroparesis: Expert Review. Clin Gastroenterol Hepatol 2022;20:491–500. doi:10.1016/j.cgh.2021.10.038.
Lacy BE, Cangemi DJ. Controversies in Gastroparesis: Discussing the Sticky Points. Am J Gastroenterol 2021;116:1572–6. doi:10.14309/ajg.0000000000001243.
Sato H, Grover M. Gastroparesis and Functional Dyspepsia: Spectrum of Gastroduodenal Neuromuscular Disorders or Unique Entities? Gastro Hep Adv 2023;2:438–48. doi:10.1016/j.gastha.2022.10.005.
Camilleri M, Kuo B, Nguyen L, Vaughn VM, Petrey J, Greer K, et al. ACG Clinical Guideline: Gastroparesis. Am J Gastroenterol 2022;117:1197–220. doi:10.14309/ajg.0000000000001874.
Camilleri M, Chedid V, Ford AC, Haruma K, Horowitz M, Jones KL, et al. Gastroparesis. Nat Rev Dis Prim 2018;4. doi:10.1038/s41572-018-0038-z.
Schol J, Wauters L, Dickman R, Drug V, Mulak A, Serra J, et al. United European Gastroenterology (UEG) and European Society for Neurogastroenterology and Motility (ESNM) consensus on gastroparesis. United Eur Gastroenterol J 2021;9:287–306. doi:10.1002/ueg2.12060.
Cangemi DJ, Lacy BE. Gastroparesis : Myths , Misconceptions , and Management 2023:65–78.
Como citar este artigo
Lages RB. Gastroparesia: quando pensar, por que ocorre e como diagnosticar Gastropedia 2023, vol. 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/sem-categoria/gastroparesia-quando-pensar-por-que-ocorre-e-como-diagnosticar/
Live Esofagite Eosinofílica
Caros,
Segue abaixo os slides com as principais mensagens passadas durante nossa live de esofagite eosinofílica. Se você perdeu a live ou se quiser rever alguns trechos clique nesse link: LIVE ESOFAGITE EOSINOFÍLICA
Bons estudos!
Neoplasia periampular com metástase hepática isolada: o que você faria?
Atender e cuidar de um paciente oncológico deve ir além do conhecimento de alta complexidade e baseado em evidências que se atualizam a cada dia. Espera-se uma sólida relação médico-paciente com manejo de expectativas e de muita confiança.
A situação que desejo colocar aqui é a de um paciente com síndrome colestática devido a neoplasia maligna periampular não biopsiada. Apresentava um status muito bom, um atleta totalmente independente para as atividades diárias e com pouca perda de peso mesmo na presença dos sintomas de intolerância alimentar.
Não preenchendo critérios para neoadjuvância (borderline)1 e sem evidências de lesões metastáticas no estadiamento realizado, foi optada por uma ressecção como primeiro tratamento (upfront) que se deu cerca de 1 mês após o primeiro contato com o cirurgião.
Exponho a foto do intra-operatório:
Figura 1: Paciente com serosas ictéricas, fígado em bom aspecto com lesão única, em segmento lateral esquerdo.
A lesão subcentimétrica destacada foi ressecada e enviada para biópsia de congelação. O achado foi de neoplasia maligna na amostra enviada.
Existem vários fatores nesse momento de decisão que nos induzem a prosseguir com a cirurgia: a falibilidade da congelação intraoperatória, o fato desse paciente – a exceção da maioria dos casos atendidos nesse contexto – estar tão física e nutricionalmente apto a cirurgia, a confiança e otimismo transmitido em consulta para o paciente e família diante da precocidade do tratamento cirúrgico, a experiência de casos anteriores que foram “bem sucedidos”.
Por essa razão compartilho os seguintes estudos que tiveram como objetivo definir o real prognóstico desse paciente.
O que dizem os estudos?
No primeiro2 foram analisados retrospectivamente pacientes submetidos a pancreatectomias associadas a ressecções de metástases hepáticas em um centro internacionalmente renomado.
O tamanho da amostra (22 pacientes) é criticável e provavelmente é consequência da alta seleção de pacientes. Essa seleção também é comprovada nos detalhes da amostra: tamanho médio da metástase (0.6 cm), ressecções hepáticas foram em sua maioria nodulectomias. Além disso, todos os casos foram semelhantes ao nosso, um achado incidental intraoperatório.
Para controle foram designados dois grupos: 1 – ressecção convencional com mesmo sítio primário sem associação a metástase hepática e 2 – cirurgia paliativa realizada diante da metástase hepática (derivação biliodigestiva + alimentar). A comparação demonstrou resultados interessantes, mas não inesperados: a um custo de maior taxa de complicações, sangramento e tempo de internação não houve benefício na sobrevida desses pacientes a longo prazo comparados a cirurgia paliativa. Vale destacar que, a exemplo da nossa situação, estamos comparando um grupo selecionado pelo otimismo, pela expectativa de melhor evolução frente ao habitual.
Destaco, ainda, essa revisão sistemática3 mais recente demonstrando uma sobrevida semelhante entre pacientes que realizaram a cirurgia combinada no contexto proposto e pacientes encaminhados para quimioterapia paliativa após detecção metástase no estadiamento (não submetidos a cirurgia). Em pacientes selecionados, após quimioterapia e controle sistêmico, a sobrevida proporcionada pela mesma cirurgia foi de 3 a 4 vezes maior.
Conclusão
Como visto acima, não nos faltam exemplos que em poucos pacientes a cirurgia pensada inicialmente (ressecção de metástase hepática + duodenopancreatectomia) pode trazer benefício em sobrevida4. Porém, no momento da cirurgia esse indivíduo ainda não passou por essa seleção do tratamento sistêmico e, por isso, não sabemos ainda se ele é – ou melhor – será um desses casos. Por isso, nesse dia, procedemos com a derivação biliodigestiva – solucionando assim a obstrução biliar – associada a derivação alimentar devido aos sintomas alimentares alegados.
Para aqueles que optariam por prosseguir com o procedimento, os convido a reflexão: por mais otimista que seja nossa expectativa, a nossa intenção e atitude permanecem submissas aos dados e estatísticas. Nossa função principal durante a jornada do nosso paciente é aconselhá-lo a tomar o caminho mais vantajoso e não apenas torcer pelo melhor resultado.
Afinal, existem cirurgias menos arriscadas que aliviam os sintomas e proporcionam um tratamento sistêmico sem intercorrências para nosso paciente. Dessa forma, à luz do conhecimento atual, ele permanecerá com maior qualidade de vida e por mais tempo fora do ambiente hospitalar. Lembrando que o tratamento definitivo não deixará de ser opção caso se prove adequado ao longo de sua evolução.
Saiba mais sobre metástases hepáticas. Clique aqui
Isaji, S. et al. International consensus on definition and criteria of borderline resectable pancreatic ductal adenocarcinoma 2017. Pancreatology18, 2–11 (2018).
Gleisner, A. L. et al. Is resection of periampullary or pancreatic adenocarcinoma with synchronous hepatic metastasis justified? Cancer110, 2484–2492 (2007).
Crippa, S. et al. A systematic review of surgical resection of liver-only synchronous metastases from pancreatic cancer in the era of multiagent chemotherapy. Updates Surg.72, 39–45 (2020).
Nagai, M. et al. Oncologic resection of pancreatic cancer with isolated liver metastasis: Favorable outcomes in select patients. J. Hepatobiliary. Pancreat. Sci. 1–11 (2023) doi:10.1002/jhbp.1303.
Como citar este artigo
Magalhães DP. Neoplasia periampular com metástase hepática isolada: o que você faria? Gastropedia, vol. 2 Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/neoplasia-periampular-com-metastase-hepatica-isolada-o-que-voce-faria/
Técnicas combinadas para ressecção localizada de espessura total da parede do trato gastrointestinal – “Laparoscopic and Endoscopic Cooperative Surgery” (LECS)
Introdução
A combinação da endoscopia e da laparoscopia para ressecções localizadas de espessura total do trato gastrointestinal foi descrita pela primeira vez em 2008 por Hiki et al [1]. Essa combinação une as vantagens das duas vias de acesso em um único procedimento. Surgiu como uma alternativa à gastrectomia em cunha, e ao evitar a ressecção de margens excessivas, ampliou a capacidade de ressecções localizadas, evitando gastrectomias desnecessárias [2]. Desde então vem sendo cada vez mais difundida e aplicada a outros órgãos além do estômago [3].
Após a publicação de Hiki et al [1] relatando o “Laparoscopic and Endoscopic Cooperative Surgery” (LECS), diversas variações técnicas foram descritas, cada uma com suas vantagens e desvantagens. Essas variações permitiram ampliar ainda mais as indicações da abordagem conjunta.
Atualmente, o termo LECS tem sido utilizado genericamente para se referir ao conjunto de técnicas combinadas. A técnica originalmente descrita por Hiki et al está sendo chamada de LECS clássico e as outras de LECS modificado [3].
Indicações
As técnicas combinadas permitem realizar a ressecção localizada de espessura total da parede do trato gastrointestinal evitando margens excessivas, e consequentemente deformidades obstrutivas (Figuras 1a e 1b). Essas técnicas não contemplam a linfadenectomia regional.
Dessa forma, são indicadas para as lesões com necessidade de ressecção de espessura total, quando se deseja evitar margens excessivas, desde que tenham baixo risco de metástase para linfonodos.
Lesões com necessidade de ressecção de espessura total [4]:
Profundas, com origem ou acometimento da camada muscular própria;
Superficiais, localizadas nas camadas mucosa e/ou submucosa na falha das técnicas endoscópicas convencionais (mucosectomia e a dissecção endoscópica da submucosa).
No LECS clássico ocorre a exposição da lesão e do conteúdo luminal para a cavidade peritoneal, não estando indicado para lesões epiteliais ou ulceradas. Com a evolução, técnicas sem exposição foram descritas ampliando a indicação da abordagem combinada para estes tipos de lesões [3].
Figura 1a – Lesão subepitelial no antro gástrico.Figura 1b – Aspecto final logo após a ressecção por técnica combinada da lesão da Figura 1a, demonstrando tênue cicatriz linear, sem deformidade local. Resultado possível devido à não ressecção de margens excessivas.
Descrição das principais técnicas – vantagens e limitações
As principais técnicas combinadas começam pelo acesso laparoscópico à lesão. Os vasos da face serosa devem ser ligados, permitindo uma boa exposição da área a ser ressecada. Em seguida, é feito a marcação interna (mucosa) e externa (serosa e muscular própria) dos limites da lesão utilizando corrente de coagulação. Caso os limites da lesão não sejam nítidos em alguma de suas faces, eles podem ser apontados através de compressão (Figura 3).
Com objetivo de afastar a mucosa da muscular própria, para proporcionar uma dissecção mais precisa e evitar uma perfuração inadvertida, o endoscopista realiza a injeção da submucosa ao redor da lesão. A solução utilizada deve ser eletrolítica e com maior osmolaridade, permitindo a condução da corrente elétrica com maior permanência na submucosa. Um corante pode ser adicionado para facilitar a diferenciação das camadas. Neste momento, não se tem uma precisa visibilização endoscópica dos limites da lesão, enfatizando a importância de uma adequada marcação na mucosa (Figura 4).
Figura 3 – Marcação combinada e precisa dos limites da lesão.Figura 4 – Lesão subepitelial gástrica após a marcação e a injeção da submucosa. Observar a perda da precisão na identificação dos limites da lesão.
“Laparoscopic and Endoscopic Cooperative Surgery” (LECS) clássico
No LECS clássico, guiado pela marcação na mucosa e com auxílio da injeção da submucosa, o endoscopista realiza a secção da parede ao redor da lesão, plano a plano até a perfuração intencional. Deve-se evitar a perfuração precoce, uma vez que o escape aéreo pode dificultar a insuflação do órgão, com consequente perda da visibilidade pelo endoscopista. Essa dissecção endoscópica é auxiliada pela laparoscopia, principalmente em suas fases finais, até a completa liberação da lesão.
Lesões menores que 3 cm podem ser retiradas pela endoscopia por via oral, já as maiores devem ser retiradas pela laparoscopia por via abdominal. O defeito é fechado pela laparoscopia, seja com sutura manual ou mecânica.
Vantagens:
Evita margens excessivas;
Aplicável para a maior parte das localizações das lesões.
Limitação:
Exposição da lesão e do conteúdo luminal à cavidade peritoneal devendo ser evitada em lesões ulceradas ou epiteliais.
“Laparoscopic and Endoscopic Cooperative Surgery” (LECS) modificado – técnicas sem exposição
Após a marcação e a injeção da submucosa, nas técnicas sem exposição é feita a secção das camadas serosa e muscular própria ao redor da lesão, seguida da dissecção submucosa (Vídeo 1). A lesão fica presa apenas pela mucosa, a qual é elástica e redundante, permitindo uma maior amplitude na sua invaginação para a luz do órgão ou eversão para a cavidade peritoneal.
Vídeo 1 – Abertura inicial das camadas serosa e muscular própria, com a exposição da submucosa, corada em azul. Esta abertura é realizada utilizando corrente de corte. Após a secção circunferencial das camadas serosa e muscular própria, a submucosa é dissecada utilizando a corrente de coagulação. Após a dissecção, observa-se a grande mobilidade da lesão para a luz do estômago ou para a cavidade peritoneal.
“Combination of Laparoscopic and Endoscopic Approaches to the Treatment of Neoplasia with a Nonexposure Technique” (CLEAN-NET)
Dois pontos de reparo podem ser passados nas margens da lesão, facilitando sua manipulação, inclusive durante a dissecção da submucosa. Nesta técnica, a lesão é evertida para a cavidade peritoneal e com um grampeador laparoscópico linear, a ressecção de espessura total é completada. Esse grampeamento pode englobar toda a espessura da parede, técnica originalmente descrita, ou apenas a mucosa, sendo chamada de CLEAN-NET modificada (Figura 5). Nesta, após o grampeamento, é feito o fechamento manual da camada seromuscular (Figura 6) [5,6].
Vantagens:
Evita margens excessivas;
Sem exposição da lesão e do conteúdo luminal à cavidade peritoneal;
Maior facilidade nas lesões com crescimento extra luminal.
Limitações:
Maior dificuldade nas lesões com crescimento intraluminal.
Figura 5 – Posicionamento do grampeador linear na mucosa da área de dissecção ao redor da lesão.Figura 6 – Aspecto endoscópico final na pequena curvatura do corpo alto, após o grampeamento da mucosa e a sutura manual das camadas serosa e muscular própria (seta verde).
Com a lesão presa apenas pela mucosa, o cirurgião faz o fechamento com sutura manual das camadas serosa e muscular própria ao redor da área de dissecção, recobrindo a lesão. Para melhor localização pelo endoscopista da área dissecada, um anteparo (esponja) é interposto (Figura 7).
Após, utilizando a técnica da dissecção endoscópica da submucosa, o endoscopista guiado pela marcação na mucosa e pelo anteparo, secciona toda a mucosa ao redor da lesão, completando a ressecção. A lesão é retirada por via luminal, e um segunda plano de sutura e/ou o fechamento da mucosa com clipes podem ser realizados [7,8,9].
Vantagens:
Evita margens excessivas;
Sem exposição da lesão e do conteúdo luminal à cavidade peritoneal;
Maior facilidade nas lesões com crescimento intraluminal;
Grande precisão nas margens laterais de ressecção da mucosa.
Limitações:
Lesões maiores que 3 cm (não são passíveis de retirada por via oral);
Necessita de proficiência na técnica de dissecção endoscópica da submucosa;
Maior dificuldade nas lesões com crescimento extra luminal.
Figura 7 – Camadas serosa e muscular própria fechadas por sutura manual recobrindo a lesão, com anteparo interposto. As setas indicam o local em que o endoscopista fará a incisão circunferencial da mucosa para a completa liberação da lesão.
“Combined Gastric Full-Thickness Tumor Resection”
Após a dissecção laparoscópica da submucosa, utilizando uma pinça, o cirurgião empurra a lesão para luz do órgão. Neste momento o endoscopista apreende a lesão, juntamente com todas as camadas da parede, em uma alça (Figura 8). Pela laparoscopia é possível confirmar se a serosa e a muscular própria da lesão estão completamente apreendidas pela alça (o ponto de fechamento da alça fica nítido e não se observa as camadas serosa e muscular própria junto dele).
Com a lesão apreendida pelo endoscopista, o cirurgião faz o fechamento com sutura manual da parede ao redor da área dissecada (Figura 9). Completado o fechamento, utilizando corrente de corte aplicada à alça, a mucosa ao redor da lesão é seccionada liberando a peça. Esta é retirada por via luminal, e um segundo plano de sutura e/ou o fechamento da mucosa com clipes podem ser realizados.
Vantagens:
Evita margens excessivas;
Sem exposição da lesão e do conteúdo luminal à cavidade peritoneal;
Maior facilidade nas lesões com crescimento intraluminal;
Não requer proficiência em dissecção endoscópica da submucosa.
Limitações:
Lesões maiores que 3 cm (não são passíveis de retirada por via oral);
Menor precisão nas margens laterais de ressecção da mucosa;
Maior dificuldade nas lesões com crescimento extra luminal.
Figura 8 – Lesão sendo empurrada pelo cirurgião e apreendida com uma alça pelo endoscopista.Figura 9 – Visão laparoscópica após apreensão da lesão com alça pelo endoscopista. Fechamento com sutura manual da parede ao redor da área dissecada.
Considerações finais e perspectivas futuras
As lesões com indicação de ressecção de espessura total da parede não são comuns na prática clínica, e ainda apresentam diversas variáveis que influenciam na técnica para sua ressecção. Dentre estas variáveis, destacam-se o tamanho, a localização, o padrão de crescimento (intraluminal ou extra luminal), o acometimento da mucosa, dentre outras. Dessa forma, estudos comparativos entre as técnicas com alto nível de evidência dificilmente serão realizados.
A escolha da técnica deve basear-se em suas vantagens e limitações, aplicadas às particularidades de cada caso, bem como na experiência da equipe. Diversas séries e relatos de casos vem sendo publicados sugerindo serem técnicas seguras e reprodutíveis. Exceto a “Combined Gastric Full-Thickness Tumor Resection”, que apesar de já ser realizado por nossa equipe, ainda não há publicação em humanos.
As técnicas puramente endoscópicas de ressecção de espessura total têm demonstrado eficácia semelhante às técnicas combinadas, com possível menor tempo de procedimento e menor tempo de internação [11]. Elas vêm ganhando cada vez mais destaque na literatura, porém ainda apresentam muitas limitações. Destacam-se a dificuldade de visibilidade após a perfuração intencional do órgão, além da deficiência dos acessórios endoscópicos disponíveis para o fechamento de defeitos maiores. Assim, devem fazer parte do arsenal terapêutico para este tipo de ressecção, porém atualmente não são capazes de substituir as técnicas combinadas.
Tem se estudado a combinação do LECS com o mapeamento de linfonodos sentinelas. Tal associação poderá melhorar o resultado do tratamento das lesões com risco de metástase para linfonodos, como o adenocarcinoma [3]. Conhecendo de forma mais precisa o estadiamento N, muitos pacientes se beneficiarão de um tratamento oncologicamente correto e menos invasivo, ou ainda da necessidade de uma cirurgia mais ampla com linfadenectomia para maior probabilidade de cura.
Referências
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Kahaleh M, Bhagat V, Dellatore P, Tyberg A, Sarkar A, Shahid HM, Andalib I, Alkhiari R, Gaidhane M, Kedia P, Nieto J, Kumta NA, Dixon RE, Salameh H, Mavrogenis G, Bassioukas S, Abe S, Arentes VN, Morita FH, Sakai P, de Moura EG. Subepithelial tumors: How does endoscopic full-thickness resection & submucosal tunneling with endoscopic resection compare with laparoscopic endoscopic cooperative surgery? Endosc Int Open. 2022 Nov 15;10(11):E1491-E1496.
Como citar este artigo
Morita FHA, Técnicas combinadas para ressecção localizada de espessura total da parede do trato gastrointestinal – “Laparoscopic and Endoscopic Cooperative Surgery” (LECS). Gastropedia 2023, vol 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/cirurgia/esofago-estomago-duodeno/tecnicas-combinadas-para-resseccao-localizada-de-espessura-total-da-parede-do-trato-gastrointestinal-laparoscopic-and-endoscopic-cooperative-surgery-lecs/
Aumento de enzimas pancreáticas no sangue – como investigar ou conduzir?
7 minutos
Por vezes nos deparamos com pacientes que, mesmo sem um motivo aparente, apresentam aumento de enzimas pancreáticas (lipase ou amilase) no sangue. Quando valorizar esse achado? A dosagem das enzimas fora do contexto de dor abdominal é indicada?
Chamamos de hiperenzinemia pancreática o aumento das enzimas no sangue. São várias as possíveis causas para esse aumento, que geralmente envolvem um desbalanço entre a liberação de enzimas na corrente sanguínea e o clearance delas, que pode se apresentar diminuído.
A primeira questão a ser lembrada é que a amilase é uma enzima produzida por diversos tecidos, sendo os de maior destaque as glândulas salivares e o pâncreas. A lipase é bem mais específica do pâncreas, embora alguns sítios possam produzir lipase também, como o estômago, duodeno, cólon e fígado.
Essas enzimas são parcialmente eliminadas pelos rins e pelo sistema retículo-endotelial (especialmente pelo fígado). É dessa forma que as enzimas são retiradas do sangue em situações fisiológicas.
Causas de Hiperenzinemia Pancreática
Sem dúvida a principal causa de elevação de enzimas pancreáticas é a pancreatite aguda (PA). Esse é um dos critérios para o diagnóstico da PA definidos pelo Consenso de Atlanta Modificado em 2012, conforme tabela 1.
Tabela 1.- critérios diagnósticos para Pancreatite Aguda
Faz sentido, portanto, a dosagem das enzimas no contexto de dor epigástrica (que pode irradiar para hipocôndrios e dorso), acompanhada de náuseas e vômitos. Neste caso, o aumento superior a 3x o limite superior da normalidade concluiria o diagnóstico de PA, sem a necessidade do exame de imagem.
A dosagem das enzimas fora do contexto de dor ainda podem representar algum problema pancreático. Qualquer processo patológico na glândula pode se manifestar com aumento de enzimas. Alguns exemplos são:
Neoplasias pancreáticas
Neoplasias peri-ampulares
Dilatações ductais, como as encontradas nos IPMNs
Pancreatite crônica
Disfunção do esfíncter de Oddi
Anormalidades anatômicas, como Santorinocele ou Pancreas divisum
Coledococele
Manipulação da papila, como nas CPREs
Sabendo disso, faz-se necessária uma boa imagem pancreática para exclusão dessas etiologias, especialmente as neoplasias.
Existem causas extra-pancreáticas de aumento de liberação de enzimas, tais como: infecções por vírus pancreatotrópicos (Hepatite B, Hepatite C, HIV), cistos ovarianos rotos, gravidez ectópica e distúrbios alimentares. Quadros vasculares podem levar a isquemia das células acinares e elevação das enzimas no sangue (mesmo sem pancreatite aguda). Mesmo diante dessas situações, é sempre necessária a visualização da glândula pancreática.
Como já foi dito, o clearance das enzimas é parcialmente realizado pelos rins, fígado e baço. Portanto, qualquer prejuízo na função desses órgãos pode acarretar a hiperenzinemia, como nos casos da doença renal crônica, insuficiência hepática e pacientes esplenectomizados.
Pacientes submetidos a cirurgia pancreática, e até outras cirurgias (como pulmonar e cardíaca) também podem ter elevação das enzimas de forma temporária.
Medicamentos
Assim como alguns medicamentos podem causar pancreatite aguda, existem também medicamentos que levam a hiperenzinemia sem a presença dos critérios de PA. Dentre as principais associações estão: azatioprina, didanosina, ciclosporina, paracetamol, efedrina, pentamidina, dentre outros. Mais recentemente, os agonistas de receptor de GLP-1 (medicações utilizadas para tratamento de diabetes e obesidade) foram relacionados com aumento sérico de enzimas pancreáticas.
Diferentemente do que ocorre com os casos de pancreatite aguda, os medicamentos causadores de hiperenzinemia (sem PA) não requerem a suspensão do uso.
Macroamilasemia
Uma condição já reconhecida há algum tempo é a macroamilasemia. Nesses casos, a amilase produzida pelo indivíduo se liga a outras proteínas séricas ou sofrem um processo de polimerização que tornam maior a molécula de amilase (que normalmente tem em torno de 50 kDa), assim chamada de macroamilase (que pode variar de tamanho entre 150 kDa até 2.000 kDa).
Nesses casos, a macromolécula acaba não sendo filtrada corretamente pelos túbulos renais, e permanece circulando na corrente sanguínea, causando um aumento sérico nos níveis de amilase.
O diagnóstico de macroamilasemia é feito com o cálculo do clearance de amilase na urina, ou com a dosagem da macroamilase na corrente sanguínea. Essa condição não é patológica e não traz nenhum prejuízo para o indivíduo, embora seja associada com algumas patologias, como a Doença Celíaca, por exemplo.
Nesses casos a dosagem de lipase é normal. É descrita a macrolipasemia, embora seja muito mais rara do que a macroamilasemia.
Como investigar?
Aqui apresentamos um algoritmo de como investigar os casos de hiperenzinemia pancreática.
Adaptado de Frullonni, L et al. 2005
Por fim, se o paciente tiver alteração de enzimas pancreáticas, com exame de imagem normal, e sem exposição relevante a álcool e medicamentos e excluída a hipótese de macroamilasemia, e se essas alterações se sustentarem por um período maior que 2 anos, pode-se firmar o diagnóstico de Hiperenzinemia Pancreática Benigna ou Síndrome de Gullo.
Mensagens para Casa:
A Hiperenzinemia Pancreática pode ter relação com patologias pancreáticas (pancreatite aguda, pancreatite crônica ou neoplasias pancreáticas) e também com problemas extra-pancreáticos (disfunção renal, insuficiência hepática dentre outros).
Frente a alteração de enzimas pancreáticas devemos sempre ter um bom exame de imagem da glândula.
Faz-se necessário descartar macroamilasemia nos casos de aumento isolado de amilase.
Na anamnese, sempre avaliar uso de medicações, que podem causar o aumento de enzimas – na ausência de pancreatite aguda, não é necessária a suspensão das medicações.
Frente ao diagnóstico de Hiperenzinemia Pancreática Benigna – ou Síndrome de Gullo – tranquilizar o paciente, pois essa condição não predispõe a alterações pancreáticas futuras.
Banks PA. et al. Classification of acute pancreatitis— 2012: revision of the Atlanta classification and definitions by international consensus. Gut. 2013, pp. 102-111.
Frullonni, L et al. Pancreatic Hyperenzymemia: Clinical Significance and Diagnostic Approach. JOP. J Pancreas (Online) 2005; 6(6):536-551.
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Gullo, L et al. Benign pancreatic hyperenzymemia or Gullo’s syndrome. Advances in Medical Sciences · Vol. 53(1) · 2008 · pp 1-5
Como citar este artigo
Marzinotto M. Aumento de enzimas pancreáticas no sangue – como investigar ou conduzir? Gastropedia 2023, vol 2. Disponivel em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreas/aumento-de-enzimas-pancreaticas-no-sangue-como-investigar-ou-conduzir/
Partição gástrica para tratamento de tumores gástricos distais obstrutivos não ressecáveis
Infelizmente, muitos pacientes no momento do diagnóstico já apresentam tumores gástricos localmente avançados, que não podem ser removidos por meio de procedimento cirúrgico, ou sinais de doença sistêmica. No Brasil, esse número pode representar mais de 25% dos casos. A obstrução gástrica distal (gastric outlet obstruction) ocorre em cerca de 30% dos tumores gástricos distais. Nessas situações, a principal modalidade terapêutica não curativa para o tratamento do CG persiste sendo a ressecção do tumor, mas sem a necessidade de linfadenectomia associada.
No entanto, alguns pacientes apresentam tumores localmente avançados que não podem ser ressecados. A incidência destes varia na literatura de 5 a 30% dos casos de CG. Nesses casos, procedimentos de derivação gastrointestinal ou o emprego de próteses endoscópicas podem ser indicados para melhorar a qualidade de vida, aliviar os sintomas de obstrução gástrica, e assim possibilitar a administração de tratamento paliativo.
O emprego de próteses endoscópicas tem ganhado popularidade para a paliação obstruções do trato digestivo, uma vez que apresenta a vantagem de ser uma opção menos invasiva e sem a necessidade de uso do centro cirúrgico com anestesia geral. Entretanto, o estudo randomizado multicêntrico (Sustent Study) relatou pior resultado a longo prazo com uso da prótese comparado com a gastrojejunostomia. Fatores como migração da prótese, crescimento tumoral causando nova obstrução, e erosão da parede gástrica, são complicações em longo prazo que prejudicam os resultados observados. Outro agravante refere-se ao custo e indisponibilidade imediata das próteses pelo sistema público em nosso país. Atualmente, a prótese é indicada principalmente em pacientes com baixa performance clínica pela escala da Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG), e com expectativa de vida inferior a 2 meses.
Com relação aos procedimentos cirúrgicos de derivação, o mais utilizado é a gastrojejunostomia, também chamada de gastroentero anastomose. A gastrojejunostomia consiste na realização de anastomose com ampla extensão da parede posterior do estômago com a primeira alça jejunal que alcança o estômago sem tensão (Figura 1). A anastomose pode ser realizada de maneira manual ou mecânica, com emprego de grampeadores cirúrgicos.
Apesar da simplicidade técnica da execução da gastrojejunostomia, um grande inconveniente observado na prática é a dificuldade de esvaziamento gástrico pela anastomose após a realização do procedimento. Os dados da literatura referem que de 10 a 26 % dos pacientes apresentam essa complicação, conforme demonstrado na Figura 1. Tal ocorrência pode levar ao aumento no tempo de internação e atrasar o início da quimioterapia paliativa, fundamental para prolongar a sobrevida.
Figura 1
Outro inconveniente deste procedimento é a manutenção do tumor em contato com os alimentos ingeridos pelo paciente, uma vez que a exposição do tumor predispõe a ocorrência de sangramento tumoral. Por fim, existe também o risco de obstrução da gastrojejunostomia pelo crescimento do tumor que se encontra próximo à anastomose, podendo deste modo invadi-la. Esse receio pode levar o cirurgião a realizar a anastomose em uma porção mais proximal do corpo gástrico, o que prejudica ainda mais o esvaziamento gástrico.
Com o objetivo de superar esses inconvenientes, a realização de uma partição parcial do estômago associada a gastrojejunostomia na câmara gástrica proximal tem sido indicada para tumores distais obstrutivos não ressecáveis. O racional da realização da partição envolve a criação de uma câmara gástrica de menores dimensões facilitando o esvaziamento pela gastrojejunostomia e a exclusão do tumor na câmara distal diminuindo o risco de sangramento e impedindo a infiltração da anastomose pelo tumor.
Passos técnicos da partição gástrica
Após a identificação dos limites proximais da lesão, um ponto localizado de 3 a 5 cm proximal à lesão na grande curvatura é selecionado para iniciar a partição (Figura 2).
Figura 2. Escolha do local da partição. Tumor está identificado na área rasurada pela caneta de marcação cirúrgica e a linha de partição no estômago definida.
Sonda de Faucher nº 32 ou nasogástrica calibrosa é passada e mantida ao longo da pequena curvatura gástrica para manutenção da comunicação entre as duas câmaras gástricas criadas pela partição (Figura 3). A partição parcial do estômago é realizada com emprego de grampeador linear cortante.
Figura 3. Posicionamento do grampeador. Sonda de Faucher posicionada ao longo da pequena curvatura evitando a secção completa do estômago.
Posteriormente, a gastrojejunostomia é realizada em posição anterior ao cólon, isoperistáltica na parede posterior do estômago com no mínimo 5 cm de extensão, utilizando a primeira alça jejunal a cerca de 30-40 cm do ângulo de Treitz (Figura 4).
Figura 4. Aspecto final após a partição gástrica. Anastomose mecânica realizada ao longo da grande curvatura na parede gástrica posterior.
A anastomose pode ser realizada da maneira manual ou com o emprego de grampeador linear cortante. A via de acesso pode ser convencional ou laparoscópica, de acordo com a preferência do cirurgião.
Importante ressaltar que nos casos de tumores proximais ou com envolvimento da pequena curvatura proximal a incisura angularis a partição deve ser evitada pelo risco de obstrução da comunicação entre as câmaras gástricas.
Figura 5. Critério de exclusão. Tumor proximal à incisura angularis na pequena curvatura gástrica. Sugestão de leitura:
Ramos MFKP, Partição gástrica para tratamento de tumores gástricos distais obstrutivos não ressecáveis. Gastropedia 2023 Vol 1. Disponível em: gastropedia.pub/pt/sem-categoria/particao-gastrica-para-tratamento-de-tumores-gastricos-distais-obstrutivos-nao-ressecaveis/
Doença diverticular do cólon: epidemiologia e fisiopatologia
1. INTRODUÇÃO
A doença diverticular do cólon é uma patologia onde pequenos sacos são formados por uma protrusão geralmente no ponto de penetração da artéria nutriente (vasa recta) que irriga a mucosa e a submucosa. É uma doença crônica com um amplo espetro de sintomas abdominais que eventualmente podem agudizar.
A doença diverticular do colón afeta mais da metade dos indivíduos acima dos 60 anos de idade. No entanto, apenas 20% dos doentes desenvolvem sintomas desta condição.
Existe amplo espectro de apresentações clínicas dos divertículos de cólon. O detalhamento do quadro clínico será discutido em outro artigo. Neste artigo, focaremos na fisiopatologia da doença diverticular e de suas complicações. No entanto, é importante entender a diferença de nomenclaturas utilizadas para descrever cada condição. Resumidamente:
Diverticulose ou Doença diverticular assintomática: é a simples presença de divertículos no cólon. Pode ser assintomática ou sintomática. A maioria das pessoas com divertículos do cólon permanece assintomática. Sintomas atribuídos a diverticulose aparecem em cerca de 25-30% dos indivíduos. Alguns autores reservam o termo doença diverticular apenas para a diverticulose sintomática, embora no nosso meio esses termos sejam usados como sinônimos.
Doença diverticular sintomática pode variar conforme sua apresentação clínica, desde a Doença diverticular sintomática não complicada, que tipicamente manifesta-se por dor abdominal localizada, sensação de gases e alterações do habito intestinal, até a Doença diverticular complicada, como a diverticulite aguda e a hemorragia diverticular.
2. EPIDEMIOLOGIA
A doença diverticular é uma das desordens gastrointestinais mais comuns nos países ocidentais, e acredita-se que sua incidência tenda a aumentar, sendo proporcional com o envelhecimento da população. A diverticulose do cólon é o achado mais comum na colonoscopia.
A distribuição destes divertículos varia com a raça, mas não com o sexo.
No ocidente, 80-90% situam-se no cólon esquerdo. Na população asiática a diverticulose predomina no cólon direito (80%). Frequência de diverticulose a direita tem aumentado no ocidente ultimamente.
A prevalência da diverticulose é menor que 20% na população com menos de 40 anos, comparado com cerca de 60% nos indivíduos com mais de 70 anos de idade.
A diverticulose geralmente cursa sem sintomas ao longo da vida. A diverticulite aguda ocorre em menos de 5% dos doentes com diverticulose e destes, 20% terão diverticulite complicada.
Depois da recuperação do primeiro episódio, 15 a 20% podem apresentar recorrência.
3. FISIOPATOLOGIA
O mecanismo fisiopatológico envolvido na doença diverticular é complexo e não está completamente compreendido. A diverticulose parece estar ligada à formação de divertículos através de altas pressões na mucosa do cólon em locais de fraqueza onde arteríolas penetram a camada muscular circular para fornecer nutrientes à mucosa. Estas arteríolas advêm de colaterais das artérias mesentérica superior e inferior através da arcada de Riolan, da artéria marginal de Drummond e uma série de outras arcadas. As arcadas terminais por fim penetram a camada muscular pela vasa recta para formar o plexo submucoso. Assim, contrações de elevada amplitude associadas a obstipação e elevado conteúdo de gordura nas fezes no lúmen do cólon sigmóide resultam na criação destes divertículos. Os divertículos ocorrem mais frequentemente no cólon sigmoide estando relacionados a pressão e o tipo de conteúdo intraluminal.
Divertículo falso ou verdadeiro? Na população ocidental, os divertículos são causados por inversão das camadas mucosa e submucosa, mas não da camada muscular, portanto, são denominados falsos divertículos ou pseudodivertículos. Na população oriental, a inversão pode envolver todas as camadas da parede do cólon e esses divertículos são, portanto, referidos como divertículos “verdadeiros”.
Existem três fatores principais envolvidos na fisiopatologia da doença diverticular:
Alterações da parede do cólon
aumento da pressão intracólica (dismotilidade)
Dieta pobre em fibras (fezes endurecidas)
3.1 Alterações na parede:
Existe um espessamento atribuído à deposição de elastina entre as células musculares na taenea, verificando-se um aumento da síntese de colégeno tipo III. Isso leva a um encurtamento das tênias colônicas com espessamento da camada muscular circular e redução do calibre do órgão, processo conhecido como myochosis coli. Verifica-se uma expressão acentuada do inibidor tecidual de metaloproteinases, que regula a deposição de proteínas na matrix extracelular, o que poderá levar ao aumento da elastina e colágeno. Estes achados parecem estar em harmonia com a incidência mais alta da diverticulose nas doenças do tecido conjuntivo.
diversos autores referem espessamento da camada muscular como fator que precede o divertículo, pois esta hipertrofia causaria aumento da pressão intracolônica e aumento do número de ondas motoras.
3.2 Distúrbios da motilidade do cólon:
Segundo Painter (TEORIA DA SEGMENTAÇÃO NÃO-PROPULSIVA) (Painter NS, et al. Gastroenterology. 1965), o cólon atua em segmentos separados em vez de funcionar como um tubo contínuo. Havendo progressão desta segmentação, as pressões altas são direcionadas à parede do cólon em vez de desenvolver ondas de propulsão para mover o conteúdo intestinal distalmente.
Postulou a teoria da segmentação cólica onde a contração da musculatura lisa em sintonia com as pregas semilunares da mucosa levaria ao aparecimento de múltiplas câmaras (que corresponderiam às haustrações) onde a pressão estaria aumentada favorecendo a pulsão da mucosa contra os pontos de fraqueza na parede cólica na entrada dos vasos retos levando então ao aparecimento dos divertículos.
A atividade mioelétrica também parece estar alterada na doença. Foi demonstrado em diversos estudos mais atuais que na doença diverticular existem menos células de Cajal e células gliais e uma variabilidade na expressão de certos neuropeptídeos
Alterações da motilidade cólica resultam em aumento das pressões de repouso no cólon de indivíduos com doença diverticular.
O cólon sigmoide por ter a maior pressão no cólon e ser o segmento mais estreito é o mais acometido.
A observação de pressões elevadas de repouso e induzidas no cólon direito de pacientes asiáticos com divertículos proximais também foi publicada, sugerindo que a dismotilidade proximal também exerce papel na origem de divertículos do cólon direito.
3.3 Dieta:
A grande variação na prevalência dessa afecção, bem como sua estreita correlação com a dieta ocidental sugerem a existência de um fator etiológico presente na dieta.
Painter e Burkitt (Painter NS and Burkitt DP. Brit Medical.1971) observaram em mais de 1.200 habitantes do Reino Unido e de Uganda que os primeiros, ingerindo dieta ocidental pobre em fibra e refinada (massa fecal diária de aproximadamente 110 gramas), exibiam tempo de trânsito intestinal menor do que os africanos que se alimentavam de dieta rica em fibras e tinham massa fecal avaliada em aproximadamente 450 gramas por dia. Postulou-se que tempos de trânsito intestinal prolongado com fezes pouco volumosas resultantes de dieta pobre em fibras levariam a significativo aumento das pressão intraluminal e predisporiam à formação de divertículos.
No entanto, quando olhamos para uma população inteiramente ocidental, tais diferenças na composição da dieta e na duração do tempo de trânsito não foram elucidativas. Tampouco estudos de intervenção estão disponíveis para comprovar a evidência epidemiológica.
A principal hipótese para a diverticulose envolve anormalidades neuromusculares, com alteração na composição do colágeno, no sistema neuronal entérico, num cenário de aumento da pressão intraluminal.A doença diverticular sintomática não complicada pode se instalar num contexto de alteração da microbiota, levando a um processo inflamatório crônico e insidioso, com liberação de mediadores inflamatórios e hipersensibilidade visceral.
4. Fisiopatologia das complicações da doença diverticular
4.1 Fisiopatologia da Diverticulite Aguda
A causa subjacente da diverticulite é a perfuração micro ou macroscópica de um divertículo. Os mecanismos que levam a essa perfuração não são bem elucidados e provavelmente a causa é multifatorial. Anteriormente, acreditava-se que a obstrução dos divertículos (por exemplo, por fecalitos) aumentava a pressão intradiverticular e causava perfuração. No entanto, essa obstrução nem sempre está presente.
Acredita-se que o processo seja multifatorial:
Alteração do microbiota levando a disfunção da barreira mucosa
Inflamação crônica local
Trauma local com erosão da parede diverticular por aumento da pressão intraluminal e fecalitos
Seguem inflamação e necrose focal, resultando em perfuração
Recentemente, descobriu-se que também existe uma inflamação de baixo grau contínua no segmento de cólon acometido. Esta inflamação leva a hipertrofia muscular e ao remodelamentodos nervos entéricos levando a hipersensibilidade visceral e alteração da motilidade. Estas mudanças podem ser a razão da dor abdominal recorrente e distúrbios gastrointestinais posteriormente a um episódio de diverticulite.
Outro fator que também parece ter algum papel na fisiopatologia é a microbiota intestinal. Em diversos estudos, na diverticulite a diversidade de Proteobacteria foi maior em relação ao controle. Também apresenta um maior número de macrófagos e uma depleção de Clostridium cluster IV. Na diverticulose sintomática, parece estarem reduzidos o Clostridium cluster IX, Fusobacterium, e Lactobacillaceae, comparados com as pessoas com diverticulose sem sintomas.
Alterações da microbiota, perda da função de barreira, inflamação e trauma causado por fecalito são os principais mecanismos propostos para a diverticulite aguda.
Com relação à FISIOPATOLOGIA DO SANGRAMENTO DIVERTICULAR, após a herniação diverticular no ponto de fraqueza dos vasos, a vasa recta fica mais exposta ao conteúdo colônico, levando a espessamento da camada íntima e adelgaçamento da camada média, que predispõe a ruptura para o lumen.
O sangramento diverticular ocorre em locais com assimetria de vasos perfurantes que encontram-se com calibre aumentado. Obesidade, hipertensão arterial e trauma luminal são considerados fatores de risco para o sangramento diverticular
Diversos fatores de risco já foram correlacionados com a doença diverticular, incluindo ingesta de carne vermelha, dieta pobre em fibras, sedentarismo, IMC > 25 Kg/m2 e tabagismo. TODOS OS GUIDELINES COLOCAM A OBESIDADE, DIETA POBRE EM FIBRAS E SEDENTARISMO COMO FATORES DE RISCO PARA DOENÇA DIVERTICULAR.
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Rastreamento de neoplasia intraepitelial anal e prevenção de câncer de ânus
Incidência de câncer de ânus e canal anal
O carcinoma espinocelular de ânus e canal anal possui uma baixa incidência na população geral (1-2/100.000 pessoas-ano). Porém, quando associados a fatores de risco como a co-infecção com o HIV, homens que fazem sexo com homens (HSH), presença de lesões de alto grau ou carcinoma nos genitais e imunossupressão, esse risco pode aumentar consideravelmente:
Gráfico de incidência de câncer de ânus. Clifford et al (1)
O câncer de ânus e canal anal pode ser rastreado com um exame proctológico completo, com inspeção e toque retal, seguido de anuscopia com biópsia em lesões suspeitas (3).
As lesões intra-epiteliais anais de alto grau (NIA de alto grau), assim como ocorre no colo do útero, podem ser identificadas por meio de exames como a citologia oncótica ou a genotipagem para HPV de alto risco oncogênico obtida por meio do esfregaço anal (Anal-Pap).
Quando esses resultados vierem alterados, o paciente deve ser encaminhado para realização de um exame de anuscopia de alta resolução ou anuscopia com magnificação de imagem, que se assemelha a um exame de colposcopia da região do ânus e do canal anal. Por meio desse exame, é possível identificar lesões suspeitas para NIA de alto grau, que, quando identificadas por meio de uma biópsia, devem ser tratadas, por meio de cauterização química ou eletrocauterização ou com laser de infravermelho (4)
Esfregaço anal (Anal-PAP) para citologiaAnuscopia de alta resoluçã
ANCHOR trial
Até recentemente, não havia um grau de evidência robusta para se indicar o rastreio e tratamento das lesões intraepiteliais anais de alto grau como método de prevenção para o câncer de ânus e canal anal (2).
Entretanto, em 2022 foi publicado no NEJM os resultados do ANCHOR trial, (Anal Cancer HSIL Outcomes Research) (5) um estudo prospectivo multicêntrico randomizado que avaliou 4446 pessoas que vivem com HIV que foram acompanhadas com exames de citologia e anuscopia de alta resolução.
Quando identificadas lesões intraepiteliais anais de alto grau (NIA 2 p16+ ou NIA3), os participantes foram randomizados em dois grupos: um no qual essas lesões seriam tratadas e outro no qual essas lesões seriam acompanhadas a cada 6 meses.
A taxa de progressão para câncer de ânus foi 53% menor no grupo tratado do que no grupo apenas acompanhado (p= 0,03).
Curva Kaplan-Meier da progressão de câncer de ânus – ANCHOR trial. Palefsky et al (5)
Conclusão
O câncer de ânus e canal anal é bastante raro e não deve ser rastreado na população em geral.
Sua incidência aumenta bastante em certas populações como: pessoas que vivem com HIV, homens que fazem sexo com homens, mulheres com histórico de câncer ou lesões de alto grau nos genitais e doenças ou tratamentos que cursem com imunossupressão, o que justifica o rastreio nesses grupos.
A identificação e o tratamento de lesões intraepiteliais anais de alto grau em pessoas que vivem com HIV se mostrou eficiente na prevenção do câncer de ânus e canal anal.
Referências
Clifford, Gary M., et al. “A meta‐analysis of anal cancer incidence by risk group: toward a unified anal cancer risk scale.” International journal of cancer 148.1 (2021): 38-47.
Stewart, David B., et al. “The American Society of Colon and Rectal Surgeons clinical practice guidelines for anal squamous cell cancers (revised 2018).” Diseases of the Colon & Rectum 61.7 (2018): 755-774.
Hillman, Richard John, et al. “International Anal Neoplasia Society guidelines for the practice of digital anal rectal examination.” Journal of lower genital tract disease 23.2 (2019): 138-146.
Hillman, Richard John, et al. “2016 IANS international guidelines for practice standards in the detection of anal cancer precursors.” Journal of lower genital tract disease 20.4 (2016): 283-291
Palefsky, Joel M., et al. “Treatment of anal high-grade squamous intraepithelial lesions to prevent anal cancer.” New England Journal of Medicine 386.24 (2022): 2273-2282.
Não é incomum o gastroenterologista receber no consultório pacientes encaminhados por queixa de tosse crônica e achado de laringite posterior. Mas você sabe como proceder nestes casos?
Alguns estudos sugerem que a tosse crônica pode de fato ser devido à doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) em 21 a 41% dos casos. Teoricamente, o refluxo pode causar irritação e inflamação da mucosa do trato aerodigestivo superior, seja por contato direto ou por reflexo neuromediado. O diagnóstico, no entanto, pode ser mais desafiador do que parece, pois são sintomas pouco específicos e que se confundem com outras patologias.
Abaixo, seguem algumas dicas chaves para entender melhor a relação tosse x DRGE.
1. A tosse crônica pode ter diversas etiologias
Uma avaliação multidisciplinar deve ser realizada e outras etiologias não devem ser negligenciadas, tais como:
Irritantes ambientais ou ocupacionais
Tabagismo
Uso de IECAs (inibidor da enzima de conversão de angiotensina)
Asma
Síndrome da tosse das vias aéreas superiores (antigamente denominada Síndrome de gotejamento pós-nasal) devido a uma variedade de condições rinossinusais
Bronquite eosinofílica não asmática
Doenças pulmonares supurativas (bronquiectasias e abscessos).
2. Laringite posterior não é sinônimo de refluxo
A inflamação laríngea posterior é classicamente considerada como sinal de refluxo laringofaríngeo. No entanto, outros fatores também poderiam estar implicados com esta inflamação, tais como tabagismo, abuso de álcool, infecções virais ou bacterianas, alergias, sinusite crônica e abuso da voz. Além disso, diferentes estudos enfatizaram que esses sinais são pouco precisos por causa de uma baixa concordância interobservador, variável confiabilidade intra-observador e alta prevalência em indivíduos saudáveis.
Milstein e colaboradores, por exemplo, avaliaram exames de laringoscopia flexível de 52 indivíduos não fumantes e sem sintomas de DRGE e identificaram que 93% deles apresentavam ao menos um sinal de irritação tecidual, com 76,3% revelando edema ou eritema do complexo aritenóideo. Essa alta prevalência de achados em pessoas assintomáticas, levanta, portanto, o questionamento sobre o quão específicos e relevantes estes achados seriam.
3. A monitorização de pH proximal tem resultados controversos
Os primeiros estudos de teste de pH orofaríngeo foram promissores e pareciam prever o sucesso da cirurgia antirrefluxo. No entanto, estudos subsequentes falharam em identificar uma correlação significativa entre eventos de refluxo orofaríngeo e eventos de refluxo na impedâncio-pHmetria, sugerindo que a diminuição do pH orofaríngeo pode ser devido a outros fatores além do refluxo gastroesofágico. Alguns estudos também não identificaram diferenças significativas na exposição ao ácido orofaríngeo entre os pacientes que responderam ao IBP, os que responderam parcialmente e os que não responderam.
4. A resposta ao IBP não é tão satisfatória
Outro ponto importante sobre as manifestações extraesofágicas é que a resposta ao tratamento com inibidores de bomba de prótons (IBPs) não é tão boa. Enquanto é esperado que os sintomas típicos irão resolver em 4 a 8 semanas, a literatura sugere que a melhora da tosse pode demorar até 3 meses. Algumas metanálises inclusive não foram capazes de demonstrar benefícios do tratamento empírico de IBP em pacientes com laringite ou tosse crônica.
Utilizar doses maiores de IBP (isto é, duas vezes ao dia) parece ser mais eficaz para controle de sintomas extraesofágicos. Em um estudo de coorte prospectivo (Park et al, 2005), 54% dos pacientes com sintomas extraesofágicos que não responderam ao IBP uma vez ao dia tiveram melhora dos sintomas após 8 semanas adicionais de IBP duas vezes ao dia.
5.Recomendações gerais
Os algoritmos de diagnóstico para manifestações extraesofágicas são complexos porque elas são heterogêneas e muitas vezes se sobrepõem a outras condições. Conforme os Guidelines do American College of Gastroenterology (2022), as principais recomendações são:
Pacientes com queixas extraesofágicas + sem sintomas típicos DRGE – Realizar algum teste objetivo para DRGE antes da terapia empírica com IBP. Se a endoscopia for normal, considere monitorização prolongada do refluxo.
Pacientes com queixas extraesofágicas + sintomas típicos DRGE – Terapia empírica com IBP em dose dobrada (duas vezes ao dia) por 8 a 12 semanas antes de teste adicional.
Confirmar que existe DRGE não confirma que a DRGE é a causa dos sintomas extraesofágicos.
Os achados da laringoscopia NÃO são suficientes para diagnóstico de refluxo laringofaríngeo. O uso da laringoscopia tem muitas limitações, como visualização de inflamação em voluntários assintomáticos, baixa reprodutibilidade e falta de correlação entre achados e sintomas. Testes adicionais devem, portanto, ser realizados para o correto diagnóstico.
A monitorização de pH em orofaringe ou faringe com sondas de dois canais tem resultados variáveis e não deve ser recomendada de rotina. A dosagem de pepsina salivar também não tem evidências suficientes para ser utilizada.
O fluxograma 2 tenta sistematizar essas diretrizes.
Fluxograma 2: Algoritmo diagnóstico para sintomas extraesofágicos em Doença do Refluxo Gastroesofágico (American College of Gastroenterology, 2022)
Ghisa M, Barberio B, Savarino V, Marabotto E, Ribolsi M, Bodini G, et al. The Lyon Consensus: Does It Differ From the Previous Ones? J Neurogastroenterol Motil 2020;26:311–21. doi:10.5056/jnm20046.
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Milstein CF, Charbel S, Hicks DM, Abelson TI, Richter JE, Vaezi MF. Prevalence of laryngeal irritation signs associated with reflux in asymptomatic volunteers: Impact of endoscopic technique (rigid vs. flexible laryngoscope). Laryngoscope 2005;115:2256–61. doi:10.1097/01.mlg.0000184325.44968.b1.
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