Quando suspeitar de Hepatite autoimune?

A Hepatite autoimune é uma doença de etiologia desconhecida, descrita por Jon Waldenstrom em 1950, em que ocorre destruição progressiva do parênquima hepático e que pode acarretar cirrose com elevada morbimortalidade na ausência de tratamento. A Hepatite autoimune acomete principalmente mulheres jovens, mas pode ser diagnosticada em ambos os sexos, em qualquer faixa etária (1,2). A doença caracteriza-se por hipergamaglobulinemia, reatividade de autoanticorpos circulantes, hepatite de interface ao exame histológico, suscetibilidade genética relacionada a antígenos leucocitários humanos (HLA) específicos e, ainda, pela resposta favorável ao uso de corticoide e imunossupressores (3,4).

O mecanismo patogênico da Hepatite autoimune é multifatorial, com participação de agentes desencadeantes (infecções, drogas, toxinas), predisposição genética e menor tolerância à ativação imunológica e expansão celular efetora (linfócitos T citotóxicos CD4/CD8) (5).



Figura 1 –Mecanismo de lesão hepática na hepatite autoimune
Fonte:
Falcão, Lydia Teófilo de Moraes. Estudo randomizado de cloroquina versus azatioprina, em associação com prednisona, no tratamento da hepatite autoimune [tese]. São Paulo, Faculdade de Medicina; 2018

A lesão hepática inicia-se com apresentação de autoantígenos pelas células apresentadoras de antígenos (APCs), com estímulo à diferenciação de células T CD4. As Interleucinas IL-6 e IL-1β estimulam a diferenciação na resposta Th17, com secreção de citocinas pró-inflamatórias IL-17 e de IL-6, a qual estimula ainda mais a diferenciação na resposta Th17. A exposição à IL-12 estimula a diferenciação na resposta Th1, com secreção de Interferon-γ e indução de diferenciação de monócitos. A exposição à IL-4 estimula a diferenciação na resposta Th2, que cursa com secreção de IL-13, IL-4 e IL-10, estimulando a maturação de células B em plasmócitos e consequente produção de autoanticorpos.

Quando suspeitar de Hepatite Autoimune?

A hepatite autoimune muitas vezes é subdiagnosticada. Para que haja suspeição, precisamos compreender as formas de apresentação da doença (6-7).

  • Assintomática: 15-20% dos casos, apenas com elevação de enzimas hepáticas. Ou seja, mesmo na ausência de sintomas, na presença de elevação de enzimas hepáticas, especialmente aminotransferases, deve haver suspeita de HAI e serem solicitados exames para investigação etiológica. (confira mais sobre elevação de enzimas hepáticas neste post)

  • Hepatite aguda: ocorre em 30% dos casos, sendo caracterizada por sintomas inespecíficos como astenia, anorexia, artralgia, dor abdominal, prurido, icterícia, colúria e acolia fecal. Menos frequentemente, a HAI é diagnosticada no contexto de insuficiência hepática aguda, com surgimento de encefalopatia, ascite, hemorragia digestiva, com indicação de transplante hepático em pacientes previamente assintomáticos.

  • Insidiosa: caracteriza-se por fadiga progressiva, icterícia flutuante, anorexia, amenorreia e perda ponderal. Os sintomas inespecíficos retardam o diagnóstico e a doença evolui para a forma crônica.

  • Crônica: caracterizada pelo surgimento de alterações clínico-laboratoriais e histológicas características de hepatopatia avançada, com presença ou não de hipertensão portal.

Dados de uma coorte do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), composta por 268 portadores de HAI, evidenciou hepatite aguda como forma de apresentação mais prevalente (56%), hepatopatia crônica avançada em 25% e diagnóstico na forma assintomática em 10% dos casos (8). Há, ainda, formas atípicas de apresentação, com acometimento de ductos biliares e ausência de reatividade de autoanticorpos circulantes.

Diagnóstico da Hepatite Autoimune

Os critérios para diagnóstico e resposta ao tratamento da hepatite autoimune foram definidos em 1993 e revisados em 1999 pelo Grupo Internacional de Hepatite Autoimune (Figura 2). Apesar dos critérios requererem a exclusão de outras etiologias de hepatopatias crônicas com aspectos clínico-laboratoriais semelhantes, muitas características da HAI podem estar presentes em outras doenças hepáticas, como a colangite biliar primária, colangite esclerosante primária, hepatopatia induzida por drogas, hepatites virais e esteato-hepatite alcoólica ou associada ao metabolismo, tornando muitas vezes o diagnóstico desafiador (9).

 

Parâmetros Pontuação
Sexo Feminino +2
FA/AST ou ALT (X acima do VN)  
< 1,5 +2
1,5-3,0 0
>3,0 -2
Gamaglobulina/IgG (número de vezes acima do VN)  
>2,0x +3
1,5-2,0x +2
1,0-1,5x +1
<1,0x 0
Autoanticorpos (FAN/AML/LKM1)  
>1:80 +3
1:80 +2
1:40 +1
< 1:40 0
Outros marcadores (Anti-SLA/LP, anti-actina, anti-LC1, p-ANCA) +2
Antimitocôdria+ -4
Marcadores virais
Anti-VHA IgM, AgHBs, anti-HBc IgM +
-3
Anti-VHC+ e RNA do VHC + -3
Anti-VHA IgM, AgHBs, anti-HBc IgM ou anti-VHC negativos +3
Uso recente de drogas hepatotóxicas positiva/negativa -4/+1
Consumo alcoólico  
< 25g/dia +2
>60g/dia -2
Outra doença autoimune no paciente ou em familiar de primeiro grau +2
Histologia:  
Hepatite de Interface +3
Rosetas +1
Plasmócitos +1
Nenhuma das alterações acima -5
Alterações biliares (de CBP e CEP) -3
Alteração sugestiva de outra etiologia -3
HLA DR3 ou DR4
DR7 ou DR13 (varaições regionais)
+1
Resposta Terapêutica  
Completa +2
Recidiva durante ou após suspensão do tratamento após resposta completa Inicial +3
Figura 2 –
Critérios Diagnósticos Modificados da HAI pelo Grupo Internacional de Hepatite autoimune. Adaptado
(10). Interpretação: Antes do tratamento: > 15: diagnóstico definitivo,≤ 15 –
10: provável, Após tratamento: > 17: diagnóstico definitivo,≤ 17 -12: provável

 

A suspeição da hepatite autoimune deve ocorrer em todas as formas de apresentação da doença, desde quadros assintomáticos, com elevação de aminotransferases em exames de rotina (Figura 3), até as formas sintomáticas, com presença ou não de hepatopatia crônica avançada. A importância da suspeição e do diagnóstico precoce deve-se ao fato de que o tratamento clínico pode induzir remissão clínico-laboratorial da doença, prevenir fibrogênese hepática e a evolução para hepatopatia crônica avançada.

Figura 3 – Suspeição de hepatite autoimune em pacientes com elevação de aminotransferases (ALT/AST)

Leia também: Pancreatite Autoimune

Referências

  1. Manns MP, Czaja AJ, Gorham JD, Krawitt EL, Mieli-Vergani G, Vergani D, et al. Diagnosis and management of autoimmune hepatitis. Hepatology. 2010;51(6):2193-213.
  2. Czaja AJ. Diagnosis and Management of Autoimmune Hepatitis: Current Status and Future Directions. Gut Liver. 2016;10(2):177-203.
  3. Lohse AW, Mieli-Vergani G. Autoimmune hepatitis. J Hepatol. European Association for the Study of the Liver. 2011;55(1):171-82.
  4. Zachou K, Muratori P, Koukoulis GK, Granito A, Gatselis N, Fabbri A, et al. Review article: autoimmune hepatitis — current management and challenges. Aliment Pharmacol Ther. 2013;38(8):887-913.
  5. Liberal R, Mieli-Vergani G. VD. Autoimmune hepatitis: From mechanisms to therapy. Rev Clin Esp. 2016;216(7):372-83.
  6. Manns MP, Vogel A. Autoimmune hepatitis, from mechanisms to therapy. Hepatology. SEGO; 2006;43(2 SUPPL. 1).
  7. Bittencourt PL, Cançado ELR, Couto CA, Levy C, Porta G, Silva AEB, et al. Brazilian society of hepatology recommendations for the diagnosis and management of autoimmune diseases of the liver. Arq Gastroenterol. 2015;52:15-46.
  8. Terrabuio DBR. 20 anos de hepatite auto-imune no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo [Dissertação]. USP; 2006.
  9. European Association for the Study of the Liver. EASL Clinical Practice Guidelines: Autoimmune Hepatitis. J Hepatol. 2015;63:971-1004.
  10. Alvarez F, Berg PA, Bianchi FB, Bianchi L, Burroughs AK, Cançado EL, et al. International Autoimmune Hepatitis Group Report: review of criteria for diagnosis of autoimmune hepatitis. J Hepatol 1999;31(5): 929-38.

Como citar este artigo

Falcão LTM. “Quando suspeitar de Hepatite autoimune?” Gastropedia 2023, vol. 2. Disponível em: https://gastropedia.com.br/gastroenterologia/figado/quando-suspeitar-de-hepatite-autoimune/




Constipação intestinal funcional: como diferenciar e manejar?

 

Resumo:

A Constipação Intestinal Funcional ou Constipação Intestinal Crônica (CIC) é uma desordem do trato gastrointestinal (TGI) baixo que pode estar associada a sintomas como evacuação infrequente e incompleta, afetando entre 15-20% dos adultos e contando com um grupo de sintomas que vão além do número de evacuações por semana. Suas causas são divididas em primária e secundária. A investigação diagnóstica inicia com uma anamnese direcionada ao hábito alimentar e intestinal, uso de medicamentos e sintomas de trânsito lento ou obstrução de saída. O manejo clínico deve ser iniciado antes mesmo da utilização da propedêutica armada, que tem maior utilidade quando se pensa em intervenções terapêuticas dirigidas, como a fisioterapia ou mesmo a cirurgia. Neste capítulo abordaremos a CIC desde sua etiologia até o manejo apropriado. Se quiser conferir nossa live discutindo esse assunto clique aqui.

Introdução

A Constipação Intestinal Crônica (CIC) é uma desordem do trato gastrointestinal (TGI) baixo do eixo intestino-cérebro e pode estar associada a sintomas como evacuação infrequente e incompleta, na ausência de anormalidades estruturais.

A CIC é um problema de alta prevalência, afetando entre 15-20% dos adultos, dentre os quais 33% possuem idade maior que 60 anos, com predominância no sexo feminino.

A definição de CIC envolve não apenas a redução do número de evacuações por semana, mas um conjunto de sintomas como esforço evacuatório, sensação de evacuação incompleta, incapacidade de evacuar, uso de manobras digitais para eliminar as fezes, fezes endurecidas ou “bloating” e distensão abdominal.

Etiologia

Causas de CIC podem ser dívidas nas seguintes categorias:

Primária ou Idiopática:

Pacientes com esta condição geralmente não possuem uma causa identificada na história e no exame físico. Geralmente diagnosticada após exclusão de causas orgânicas, podendo ser classificadas da seguinte forma:

  • Tempo de Trânsito Normal: apesar do trânsito do bolo fecal pelo cólon ser normal, pacientes apresentam dificuldades de evacuar. Corresponde a cerca de 60-65% dos casos.
  • Disfunção do Assoalho Pélvico/ Obstrução de Saída (ODS): ocorre por prejuízo na musculatura do assoalho pélvico e pacientes frequentemente relatam sensação de evacuação incompleta, esforço evacuatório prolongado ou excessivo, uso de manobras/pressão perineal durante evacuação. Ocorre em aproximadamente 20-25% dos portadores de CIC.
  • Tempo de Trânsito Lento / Inércia Cólica (IC): caracterizado por movimentos intestinais infrequentes, pouca urgência fecal ou esforço evacuatório. Corresponde a cerca de 5% dos casos
  • Mistas: IC associada a ODS, sendo observada em 2-3% dos pacientes portadores de CIC

Causas Secundárias:

A avaliação clínica deve buscar investigar causas intestinais e extraintestinais, anormalidades metabólicas/hormonais e uso de medicamentos (quadro 1).

Intestinais
Tumores obstrutivos, estenose anal, atrasia anal, fissura anal, ânus imperfurado, estenoses inflamatórias ou pós-operatórias, volvo, endometriose
Causas Neurológicas
Doença de Hirchsprung, pseudo-obstrução intestinal, displasia neuronal, lesões medulares, espinha bífida, acidente vascular encefálico, doença de Parkinson, Esclerose Multipla, doença de Chagas, disautonomia familiar
Medicamentos
Anticolinérgicos, narcóticos, antidepressivos, sulfato ferroso, bloqueadores dos canais de cálcio, anti-inflamatórios não esteroides (AINES), drogas psicotrópicas, intoxicação por vitamina D
Causas Metabólicas e Endócrinas
Hipocalemia, hipercalcemia, hipotiroidismo, diabetes mellitus (DM) e diabetes insipidus
Miscelânea
Doença celíaca, alergia à proteína do leite, Fibrose Cística, Doença inflamatória intestinal (DII) e esclerodermia, Síndrome de Down, Gastrosquise, síndrome de Prune Belly.
Quadro 1- Causas secundárias de constipação

Avaliação Clínica

A investigação da Constipação Intestinal Crônica inicia-se com uma avaliação detalhada do hábito intestinal, incluindo ingestão de fibras e líquidos, história familiar de doenças gastrointestinais, neurológicas e sistêmicas e exame físico completo, não devendo ser menosprezado o exame proctológico, particularmente a força de propulsão retal e o relaxamento ou não do músculo puborretal (Figura 1).

 

Figura 1: Ação do músculo puborretal na contração paradoxal à esquerda, dificultando a evacuação e relaxando normalmente à direita.

Também é importante na anamnese interrogar possíveis causas secundárias de constipação (vide quadro 1) e descartar sinais de alarme para câncer colorretal, como perda de peso não intencional, sangramento via retal, história familiar de câncer ou doença inflamatória intestinal, pois se presentes, uma colonoscopia deve ser indicada.

A utilização de critérios objetivos para o diagnóstico de CIC é fundamental não só com esse objetivo, mas também para o seguimento e reavaliação do tratamento efetuado.

Dentre eles citam-se:

– Critérios de Roma IV: sintomas presentes nos últimos três meses (não necessariamente consecutivos) e por um mínimo de seis meses (quadro 2).

– Escala da consistência das fezes de Bristol (Figura 2)

Figura 2: escala de consistência das fezes

 

– Critérios de gravidade da CIC: Constipation Score System Cleveland Clinic Florida– critérios de Agachan, que conta com 8 questões referentes à hábito intestinal e dificuldade evacuatória e a frequência de ocorrência, variando de 0 a 30 pontos.

– Avaliação da qualidade de vida a partir de questionários específicos.

Constipação Funcional
1. Deve incluir 2 ou mais dos seguintes sintomas, presentes em >25% das defecações:
a. Esforço
b. Fezes endurecidas ou grumosas (Bristol 1-2)
c. Sensação de evacuação incompleta
d. Sensação de bloqueio retal/obstrução
e. Manobras manuais para facilitar (manobras digitais, suporte para o assoalho pélvico)
f. <3 movimentos intestinais espontâneos por semana
2. Fezes macias raramente presentes sem o uso de laxativos
3. Critérios insuficientes para SII-c
Quadro 2 – Critérios de Roma IV para diagnóstico de CIC

Exames Complementares

A investigação armada deve ser realizada em casos de CIC refratários ao tratamento medicamentoso, de acordo com o fluxograma sugerido na Figura 3.

1. Manometria Anorretal

Fornece informações importantes como presença do reflexo inibitório retoanal (RIRA), tônus dos esfíncteres interno e externo do ânus, sinais sugestivos de contração paradoxal ou não relaxamento adequado do músculo puborretal, além da sensibilidade, capacidade e complacência retais.

Ao final do exame, preconiza-se a realização do teste de expulsão do balão retal, em que solicita-se ao paciente a eliminação do mesmo, preferencialmente na posição sentada no vaso sanitário, em uma de três tentativas com duração de 60 segundos cada. Saiba mais sobre manometria anorretal neste artigo.

2. Exame dinâmico da evacuação: Videodefecografia, Ressonância Magnética dinâmica do assoalho pélvico ou Ecodefecografia

Fornecem informações úteis sobre alterações anatômicas, como retocele, prolapso retal, enterocele, sigmoidocele, intussuscepção intrarretal, descenso perineal e dissinergia pélvica (contração paradoxal do músculo puborretal e anismos).

3. Tempo de Trânsito Cólico (TTC)

O TTC é realizado com a ingestão de uma cápsula contendo 24 marcadores radiopacos, com realização de Raios X de abdome e pelve no primeiro, terceiro e quinto dia após a ingestão. Considera-se normal a retenção de menos de 5 marcadores (20% do ingerido) ao final do 5º dia. Caso haja retenção de mais marcadores pode-se encontrar 2 padrões distintos de alteração: inércia cólica onde os marcadores ficam distribuídos aleatoriamente pelo cólon e reto; e obstrução de saída onde os marcadores concentram-se no retossigmóide.

 

Figura 3: Fluxograma de investigação da constipação intestinal crônica

Manejo da Constipação Intestinal Crônica

Tratamento Não-Farmacológico

Mudanças no estilo de vida auxiliam no controle intestinal, com aumento da atividade física, ingestão de líquidos e carboidratos complexos ricos em fibras. Alteração na dieta costuma ser o manejo de primeira linha eficaz, sendo recomendado o aumento do consumo de fibras em aproximadamente 25-30g por dia.

Tratamento Farmacológico

Pacientes que não obtiveram resposta com mudanças no estilo de vida devem seguir o tratamento com formadores de bolo fecal e, a seguir tem-se uma gama de laxantes, como os osmóticos – polietilenoglicol (PEG) e lactulose, estimulantes – bisacodil, sena e picossulfato de sódio, agentes pró-cinéticos como a prucaloprida, lubiprostona e linaclotida. Enemas ou supositórios devem ser utilizados em casos selecionados e por períodos curtos, assim como os medicamentos laxativos, principalmente os estimulantes.

Tratamento da disfunção do assoalho pélvico (Biofeedback)

Pacientes com obstrução de saída (anismus, contração paradoxal do músculo puborretal ou síndrome da espasticidade do assoalho pélvico) devem ser encaminhados a fisioterapia pélvica e biofeedback para reeducação do relaxamento da musculatura pélvica durante o ato evacuatório.

Tratamento Cirúrgico

Constipação por inércia cólica

Pacientes refratários ao tratamento conservador, após exclusão de obstrução de saída, podem se beneficiar de uma colectomia total com anastomose ileorretal minimamente invasiva. Antes de indicar o tratamento cirúrgico, é importante na investigação descartar dismotilidade do TGI superior (gastroparesia e pseudo-obstrução intestinal), doenças psiquiátricas graves e doenças neurológicas sistêmicas como diabetes mellitus e esclerose sistêmica.

Obstrução de Saída

As principais indicações de cirurgia no tratamento da constipação por obstrução de saída são retoceles, enteroceles, sigmoidoceles e prolapsos, e a técnica cirúrgica utilizada deve ser individualizada, dentre as correções transanal, transvaginal, transperineal ou abdominal minimamente invasiva.

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Referências

  1. Agachan F, Chen T, Pfeifer J, Reissman P, Wexner SD. A constipation scoring system to simplify evaluation and management of constipated patients. Dis Colon Rectum. 1996; 39:681-5.
  2. Chang L, Chey WD, Imdad A, Almario CV, Bharucha AE, Diem S, et al. American Gastroenterological Association – American College of Gastroenterology clinical practice guideline: pharmacological management of chronic idiopathic constipation. The American Journal of Gastroenterology. 2023;118(6):936-54.
  3. Sobrado CW, Corrêa Neto IJF, Pinto RA, Sobrado LF, Nahas SC, Cecconello I. Diagnosis and treatment of constipation: a clinical update based on the Rome IV criteria. Journal of Coloproctology. 2018; 38:137-44.
  4. Costilla VC, Foxx-Orenstein AE. Constipation in adults: diagnosis and management. Current Treatment Options in Gastroenterology. 2014;12(3):310-21.
  5. Pannemans J, Masuy I, Tack J. Functional constipation: individualising assessment and treatment. Drugs. 2020;80(10):947-63.
  6. Soh JS, Lee HJ, Jung KW, Yoon IJ, Koo HS, Seo SY, et al. The diagnostic value of a digital rectal examination compared with high-resolution anorectal manometry in patients with chronic constipation and fecal incontinence. The American Journal of Gastroenterology. 2015;110(8):1197-204.
  7. Tantiphlachiva K, Rao P, Attaluri A, Rao SS. Digital rectal examination is a useful tool for identifying patients with dyssynergia. Clinical Gastroenterology and Hepatology: the official clinical practice journal of the American Gastroenterological Association. 2010;8(11):955-60

Como citar este artigo

Pinto RA, Correa Neto IJ, Lima AP, Marques CFS. Constipação intestinal funcional: como diferenciar e manejar? Gastropedia 2023, vol 2. Disponível em: https://gastropedia.com.br/cirurgia/colorretal/constipacao-intestinal-funcional-como-diferenciar-e-manejar/




MASLD 2023: descomplicando as novas nomenclaturas para esteatose hepática

Durante o Congresso EASL 2023 (24 de junho, Viena, Áustria), houve a publicação de novos termos e critérios para a Doença hepática gordurosa não-alcoólica (nonalcoholic fatty liver disease, NAFLD) que passou a ser denominada Esteatose hepática metabólica (metabolic dysfunction-associated steatotic liver diasease, MASLD) após painel Delphi e endossada pelas principais sociedades de Hepatologia do mundo.

De forma objetiva, a tabela abaixo lista as terminologias prévias e atuais para melhor compreensão:

Nomenclaturas Anteriores Nomenclaturas Anteriores Siglas Nomenclaturas Atuais Nomenclaturas Atuais Siglas Racional
Esteatose hepática ou Doença hepática esteatótica Steatotic liver disease SLD Termo geral que abrange várias etiologias de esteatose*
Doença hepática gordura não-alcoólica Nonalcoholic fatty liver disease NAFLD Esteatose hepática metabólica Metabolic dysfunction-associated steatotic liver disease MASLD

Presença de esteatose hepática e, pelo menos, 1 de 5 fatores de risco cardiometabólicos**

Esteato-hepatite não-alcoólica Nonalcoholic steatohepatitis NASH Esteato-hepatite metabólica Metabolic dysfunction-associated steatohepatitis MASH Conceito fisiopatológico mantido e baseado nos critérios anatomopatológicos
Esteatose hepática não-alcoólica Nonalcoholic fatty liver NAFL Terminologia não abordada no Painel Delphi
Esteatose hepática por disfunção metabólica e álcool MetALD Nova categoria para descrever pacientes com MASLD que consomem álcool acima de 140g/semana (mulheres) e 210g/semana (homens)
Esteatose hepática criptogênica Cryptogenic steatotic liver disease Cryptogenic SLD Nova denominação para pacientes que não apresentam parâmetros metabólicos e não tem causa conhecida
Tabela 1. Principais nomenclaturas e siglas da Doença hepática gordurosa não-alcoólica antes e após o Painel Delphi (junho, 2023).

*Dentre as etiologias: MASLD, MetALD, doença hepática alcoólica (alcoholic liver disease, ALD), etiologias específicas [hepatite medicamentosa, DILI; doenças monogênicas, como deficiência de lipase ácida lisossomal, doença de Wilson, hipobetalipoproteinemia, erros inatos do metabolismo]; miscelânia, incluindo, hepatite C, desnutrição, doença celíaca e HIV] e esteatose hepática criptogênica.

**Fatores de risco cardiometabólicos em adultos:
[1] IMC ≥25kg/m2 (23 asiáticos) OU circunferência abdominal >94cm (homem) >80cm (mulher) OU equivalente ajustado pela etnia
[2] glicemia de jejum ≥ 100mg/dL OU teste oral de tolerância à glicose ≥140mg/dL OU Hba1c ≥5,7% OU diabetes mellitus tipo 2 (DM2) OU tratamento para DM2;
[3] Pressão arterial ≥130/85mmHg U tratamento medicamentoso para hipertensão arterial sistêmica
[4] Triglicerídeos ≥150mg/dL OU tratamento com hipolipemiantes
[5] HDL-c <40mg/dL (homem) <50mg/dL (mulher) OU tratamento com hipolipemiantes.

Diante do novo racional proposto, os termos “Esteatose hepática não-alcoólica” (nonalcoholic fatty liver, NAFL) e “Doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica” (metabolic dysfunction-associated fatty liver disease, MAFLD) não serão preservados.

A classificação e gravidade que usamos hoje permanecerão as mesmas, isto é, a definição de MASH seguirá sendo baseada nos critérios anatomopatológicos obtidos por biópsia hepática (esteatose hepática, balonização hepatocitária e inflamação lobular, com ou sem fibrose). Conforme a avaliação da fibrose hepática, a doença poderá ser descrita como, por exemplo, MASH com fibrose estadio 3 – nos pacientes biopsiados – ou MASLD com fibrose 3 – na avaliação não invasiva da fibrose.

Na prática, há DUAS perguntas a serem feitas, diante da presença de esteatose hepática (Figura 1):

  • Há algum fator de risco cardiometabólico**? 
  • Há outras causas de esteatose hepática (etilismo significativo, medicamentosa/DILI, doenças monogênicas)?
Figura 1. Algoritmo de investigação etiológica de esteatose hepática.

**Fatores de risco cardiometabólicos em adultos:
[1] IMC ≥25kg/m2 (23 asiáticos) OU circunferência abdominal >94cm (homem) >80cm (mulher) OU equivalente ajustado pela etnia
[2] glicemia de jejum ≥ 100mg/dL OU teste oral de tolerância à glicose ≥140mg/dL OU Hba1c ≥5,7% OU diabetes mellitus tipo 2 (DM2) OU tratamento para DM2;
[3] Pressão arterial ≥130/85mmHg U tratamento medicamentoso para hipertensão arterial sistêmica
[4] Triglicerídeos ≥150mg/dL OU tratamento com hipolipemiantes
[5] HDL-c <40mg/dL (homem) <50mg/dL (mulher) OU tratamento com hipolipemiantes

Desta forma, a transição na literatura e nos estudos utilizando os novos termos e critérios será gradativa, sendo fundamental a compreensão da evolução do racional proposto e do impacto da doença no mundo. Os autores ressaltam que a modificação das nomenclaturas não altera a história natural da esteatose hepática (SLD), os ensaios clínicos, os biomarcadores e não prejudica pesquisas futuras nesses campos.

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Referências

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  2. Kleiner DE, Brunt EM, Van Natta M, Behling C, Contos MJ, Cummings OW, et al. Design and validation of a histological scoring system for nonalcoholic fatty liver disease. Hepatology. 2005;41:1313–1321.
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Como citar este artigo

Oti KST, MASLD 2023: descomplicando as novas nomenclaturas para esteatose hepática Gastropedia 2023, vol. 2. Disponível em: gastropedia.com.br/gastroenterologia/masld-2023-descomplicando-as-novas-nomenclaturas-para-esteatose-hepatica/

 




NAFLD agora é MASLD: entenda a nova nomenclatura

A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA; nonalcoholic fatty liver disease, NAFLD) foi assim nomeada em 1980 a fim de descrever pacientes com hepatopatia crônica sem consumo de álcool significativo. Apesar de amplamente utilizada, o avanço do entendimento a respeito da fisiopatologia da doença nas últimas décadas tornou evidente a falha em sua nomenclatura ao utilizar o termo “não alcoólica”, não captando com precisão a verdadeira etiologia da doença e se baseando em diagnóstico de exclusão. Além disso, o termo “gordurosa” era considerado estigmatizante por alguns.

Em 2020, um artigo de Eslam e colaboradores trouxe a proposta de usar o termo doença hepática gordurosa metabólica (DHGM/MAFLD) para definir pacientes com esteatose hepática e fatores de risco metabólicos, independentemente da quantidade e do padrão de ingestão de álcool. Embora o termo MAFLD tenha sido aceito por alguns, implicava não somente na mudança da nomenclatura, mas também da definição da doença, incluindo pacientes com consumo etílico significativo sob a mesma definição e mantendo o termo “gordurosa”. Além disso, pacientes com índice de massa corporal normal, classificados com “lean NAFLD”, poderiam não preencher critérios para MAFLD. Todos esses aspectos apresentavam potencial impacto negativo em termos de aplicação dos dados de pesquisa pré-existentes, entendimento da história natural da doença, biomarcadores e desenvolvimento terapêutico.

Considerando todas estas questões, um esforço conjunto das principais sociedades de hepatologia ao redor do mundo, dentre elas Asociación Latinoamericana para el Estudio del Hígado (ALEH), American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD) e European Association for the Study of the Liver (EASL), levou ao desenvolvimento da nova nomenclatura da DHGNA/NAFLD, anunciada em junho deste ano. O detalhamento completo do processo que levou à nova nomenclatura, através do método Delphi modificado, foi publicado nas principais revistas de hepatologia do mundo, sendo elas Hepatology, Annals of hepatology e Journal of Hepatology. Recentemente, em comunicado da ALEH, a versão adaptada para o português da respectiva nomenclatura foi disponibilizada, e será adotada neste artigo.

Foram realizados 4 encontros online e 2 encontros híbridos, envolvendo 236 painelistas de 56 países, dentre eles hepatologistas, gastroenterologistas, pediatras, endocrinologistas, patologistas, especialistas em obesidade, representantes da indústria, agências regulatórias e organizações de pacientes. O comitê diretivo do painel Delphi foi liderado por um representante da AASLD e outro da EASL, e composto por outros 34 membros nomeados por suas respectivas associações a fim de garantir representatividade geográfica. As mudanças adotadas foram baseadas em consenso de uma maioria igual ou superior a 67% dos participantes para cada questão abordada, embora apenas 66% dos participantes considerassem estigmatizante o termo “gordurosa” na nomenclatura anterior.

Durante o processo, a maioria dos painelistas consideravam a nomenclatura anterior falha e desejavam uma nova nomenclatura que descrevesse a real etiologia da doença,contendo em seu descritor o termo “doença ou disfunção metabólica”, levando a um maior entendimento por parte dos pacientes a respeito da própria patologia. Tanto o termo abrangente esteatose hepática (EH; Steatotic liver disease,SLD) quanto o termo mais específico, esteatose hepática metabólica (EHM; metabolic dysfunction-associated steatotic liver disease, MASLD), fornecem uma descrição afirmativa e não estigmatizante da condição, ao invés de um diagnóstico de exclusão.

Conheça as principais mudanças da nova nomenclatura:

  • Esteatose hepática (EH; Steatotic liver disease, SLD) foi escolhido como termo abrangente, englobando as mais diversas etiologias de esteatose hepática (Figura 1).
Figura 1. Esteatose hepática e sua subclassificação. Fonte: Nova nomenclatura esteatose hepática. ALEH, 2023.
Disponível em: https://alehlatam.org/wp-content/uploads/2023/08/Nueva-Nomenclatura-SLD-ALEH-Dra.-Graciela-Castro-2023-POR.pdf

  • O termo esteato-hepatite foi considerado conceito fisiopatológico importante, sendo mantido.
  • A Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica (DHGNA/NAFLD) associada à disfunção metabólica passou a ser nomeada esteatose hepática metabólica (EHM; metabolic dysfunction-associated steatotic liver disease, MASLD), incluindo pacientes com esteatose hepática e pelo menos um dos cinco fatores de risco cardiometabólicos (figura 2). É importante salientar que o diagnóstico de EHM não exclui outras possíveis etiologias associadas.
Figura 2. Critérios diagnósticos para MASLD. Adaptado de Rinella ME, Lazarus JV, Ratziu V et al.

  • Um dos maiores destaques da nova nomenclatura, a criação de uma nova categoria denominada Esteatose Hepática Metabólica por disfunção metabólica e álcool (MetALD), foi utilizada para descrever aqueles com MASLD que consomem quantidades semanais de álcool maiores do que aquelas estabelecidas como limite superior de consumo na definição de MASLD pura mas ainda não se enquadram em doença hepática alcoólica (140-350 g/semana para mulheres e 210-420 g/semana para homens).
  • Dentro da categoria MetALD há um espectro dinâmico onde a condição pode apresentar predominância do componente alcoólico ou metabólico. O fator predominante pode variar ao longo da vida de um mesmo indivíduo.
  • “MASLD com esteato-hepatite” ou esteato-hepatite metabólica/Metabolic dysfunction-associated steatohepatitis (MASH) é o termo que substitui a esteato-hepatite não alcoólica (NASH).
  • O termo esteatose hepática também abrange doença hepática associada ao consumo excessivo de álcool (ALD) (>70 g/dia) e outras hepatopatias de etiologia específica como infecção pelo vírus da hepatite C, causas genéticas, dentre outras.
  • Esteatose hepática criptogênica é o termo utilizado para definircasos que não apresentam fatores de risco cardiometabólicos ou causa conhecida para a esteatose hepática.
  • Possível MASLD é o termo que pode ser considerado na definição de casos com forte suspeita clínica de disfunção metabólica, na ausência dos fatores de risco cardiometabólicos, até a obtenção de testes adicionais como HOMA-IR e teste oral de tolerância a glicose.

Podemos extrapolar dados de pesquisa prévia em NAFLD para MASLD?

À semelhança de MAFLD, a nova nomenclatura MASLD também implica em mudança de definição da doença, levantando novamente questões quanto à preservação dos dados de pesquisa pré-existentes e ao impacto na validação de biomarcadores para diagnóstico e no desenvolvimento de novas terapias. Análise de dados do consórcio europeu LITMUS demonstrou que 98% dos pacientes registrados com NAFLD preencheriam critérios de MASLD. Da mesma maneira, estudo de Song e colaboradores demonstrou que, dentre 261 pacientes com diagnóstico de DHGNA por espectroscopia por ressonância magnética, apenas 6 (2,3%) não preenchiam critérios para MASLD, enquanto 14 (5,4%) não preenchiam critérios para MAFLD. Conceitualmente, pacientes que antes se enquadravam na definição de NAFLD poderão ser categorizados em MASLD ou possível MASLD. A introdução da subcategoria MetALD traz a oportunidade de gerar novo conhecimento a respeito deste grupo comum de pacientes.

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Referências

  1. Rinella ME, Lazarus JV, Ratziu V, Francque SM, Sanyal AJ, Kanwal F, Romero D, Abdelmalek MF, Anstee QM, Arab JP, Arrese M, Bataller R, Beuers U, Boursier J, Bugianesi E, Byrne C, Castro Narro GE, Chowdhury A, Cortez-Pinto H, Cryer D, Cusi K, El-Kassas M, Klein S, Eskridge W, Fan J, Gawrieh S, Guy CD, Harrison SA, Kim SU, Koot B, Korenjak M, Kowdley K, Lacaille F, Loomba R, Mitchell-Thain R, Morgan TR, Powell E, Roden M, Romero-Gómez M, Silva M, Singh SP, Sookoian SC, Spearman CW, Tiniakos D, Valenti L, Vos MB, Wong VW, Xanthakos S, Yilmaz Y, Younossi Z, Hobbs A, Villota-Rivas M, Newsome PN; NAFLD Nomenclature consensus group. A multi-society Delphi consensus statement on new fatty liver disease nomenclature. Hepatology. 2023 Jun 24. doi: 10.1097/HEP.0000000000000520. Epub ahead of print. PMID: 37363821.
  2. Nova nomenclatura esteatose hepática. ALEH, 2023. Disponível em: https://alehlatam.org/wp-content/uploads/2023/08/Nueva-Nomenclatura-SLD-ALEH-Dra.-Graciela-Castro-2023-POR.pdf
  3. Eslam M, Newsome PN, Sarin SK, Anstee QM, Targher G, Romero-Gomez M, Zelber-Sagi S, Wai-Sun Wong V, Dufour JF, Schattenberg JM, Kawaguchi T, Arrese M, Valenti L, Shiha G, Tiribelli C, Yki-Järvinen H, Fan JG, Grønbæk H, Yilmaz Y, Cortez-Pinto H, Oliveira CP, Bedossa P, Adams LA, Zheng MH, Fouad Y, Chan WK, Mendez-Sanchez N, Ahn SH, Castera L, Bugianesi E, Ratziu V, George J. A new definition for metabolic dysfunction-associated fatty liver disease: An international expert consensus statement. J Hepatol. 2020 Jul;73(1):202-209. doi: 10.1016/j.jhep.2020.03.039. Epub 2020 Apr 8. PMID: 32278004.
  4. Song SJ, Lai JC, Wong GL, Wong VW, Yip TC. Can we use old NAFLD data under the new MASLD definition? J Hepatol. 2023 Aug 2:S0168-8278(23)05000-6. doi: 10.1016/j.jhep.2023.07.021. Epub ahead of print. PMID: 37541393.

Como citar este artigo

Recuero AM. NAFLD agora é MASLD: entenda a nova nomenclatura Gastropedia 2023, vol. 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/figado/nafld-agora-e-masld-entenda-a-nova-nomenclatura/
 




Manometria Anorretal: conceitos, indicações e técnica

A manometria anorretal é um exame utilizado para avaliação da função do reto e aparelho esfincteriano esfincteriana. Sua utilidade é principalmente valorizada em pacientes que apresentam distúrbios funcionais, como a constipação intestinal e a incontinência fecal, auxiliando no manejo destes pacientes. Neste artigo vamos aprender sobre os conceitos, as principais indicações e a técnica de realização.

Introdução

O assoalho pélvico é uma estrutura muscular peculiar, com importante função na manutenção da continência anal e influência na defecação, sendo que a sua disfunção, seja por motivos funcionais, anatômicos e/ou neurológicos acarretam em morbidades com significativo impacto social, emocional, psicológico e econômico. São consideradas anormalidades do assoalho pélvico a incontinência urinária, prolapso de órgãos pélvicos, incontinência anal, disfunção evacuatória e desordens sexuais, dentre outras.

Os distúrbios da evacuação, seja a incontinência fecal (IF) ou a constipação intestinal crônica (CIC), representam alterações do assoalho pélvico bastante frequentes na população em geral mais comumente naqueles com fatores de risco, ou seja, idosos, mulheres com passado obstétrico, comorbidades (como esclerodermia, hipotireoidismo, diabetes mellitus), antecedente de radioterapia pélvica, pacientes acamados ou com déficits de locomoção, história de cirurgias orificiais, uso crônico de analgésicos, opióides e medicamentos psiquiátrico, dentre outros.

A incontinência fecal apresenta incidência bastante variável e dependente fundamentalmente da idade da população de estudo, de tal forma que a incidência oscila entre 1,4 a 18%, com média geral de 2 a 8,4%. Por outro lado, constipação intestinal crônica (CIC) é um dos transtornos gastrointestinais funcionais mais comuns com elevada prevalência na população, acometendo 16% dos adultos e até 33% daqueles maiores que 60 anos de idade, mais especificamente o sexo feminino com prevalência de 2 a 3:1 quando comparado com o sexo masculino.

A manometria anorretal pode auxiliar médico assistente, seja ele o gastroenterologista, cirurgião do aparelho digestivo, coloproctologista ou de outra especialidade médica a entender melhor o distúrbio que está sendo avaliado e auxiliar no seu manejo. A seguir discutiremos sobre as indicações, conceitos e técnicas da manometria anorretal.

Indicações

A manometria anorretal (MNAR) pode ser indicada principalmente para os casos de:

  • incontinência fecal (IF);
  • constipação intestinal;
  • dissinergia do assoalho pélvico;
  • prolapso de órgãos pélvicos: retocele, enterocele, prolapso mucoso, procidência retal e cistocele;
  • dor pélvica crônica: endometriose, proctalgia fugaz;
  • pré-operatório de cirurgias orificiais e reconstrução de trânsito intestinal;
  • pós-operatório de cirurgia colorretal, notadamente em paciente com a síndrome da ressecção anterior do reto.

Técnica para execução

Cerca de 2-3 horas antes do exame indica-se o preparo intestinal retrógrado com um frasco de phosphoenema® ou dois de Minilax® (enemas evacuatórios). Não é necessário restrição alimentar. No momento do exame, posiciona-se o paciente em decúbito lateral esquerdo com os membros inferiores semi-fletidos (posição de Simms) e posteriormente realiza-se a inspeção anal seguida pelo toque retal com objetivo de:

  • avaliar se há excesso de fezes na ampola retal;
  • mensurar de forma subjetiva o tônus dos esfíncteres interno e externo do ânus, respectivamente durante o repouso e contração anal;
  • avaliar o relaxamento do músculo puborretal e a força de propulsão retal;

Além disso, o toque retal tem como finalidade final guiar a adequada e cuidadosa inserção do cateter de manometria anorretal.

Parâmetros avaliados

Os seguintes dados são avaliados durante a MNAR:

  • Pressão de repouso: fornecida fundamentalmente pela ação do músculo esfíncter anal interno (EAI – valores em mmHg);
  • Comprimento do canal anal funcional: normalmente entre 2-3 cm no sexo feminino e um pouco longo no masculino;
  • Pressão de contração: ação executada pela musculatura estriada anorretal, ou seja, pelo esfíncter anal externo (EAE) e músculo puborretal (PR – valores em mmHg);
  • Ação da musculatura esfincteriana durante a manobra de Valsalva ou esforço evacuatório afim de observar adequado relaxamento da mesma ou sinais sugestivos de contração paradoxal do músculo PR, também descrita como dissinergia do assoalho pélvico;
  • Capacidade de sustentação da contração: corresponde ao índice de fadiga durante 30 segundos da musculatura estriada anorretal com mensuração em percentagem e em tempo de duração;
  • Reflexo inibitório retoanal: demonstra o relaxamento do EAI à estimulação dos receptores nervosos no anel anorretal a partir da insuflação escalonada de ar no balão, posicionado da extremidade distal do cateter da manometria (podendo ser positivo, negativo ou indeterminado);
  • Sensibilidade e capacidade do reto: mensuração feita com a instilação de água no interior deste mesmo balão (valores medidos em ml);
  • Índice de assimetria esfincteriana em repouso e na contração: mensura a simetria do complexo esfincteriano anorretal na sua circunferência, em percentagem.

Após a obtenção desses dados, recomenda-se a realização do teste de expulsão do balão retal, primordialmente nos pacientes com quadro clínico de constipação intestinal e naqueles com sinais manométricos sugestivos de contração paradoxal do músculo puborretal à MNAR.

Para tanto, deixa-se em torno de 50 a 60 ml de água no interior do balão retal com a sonda posicionada logo acima do anel anorretal e solicita-se ao paciente, principalmente na posição sentada em vaso sanitário, que elimine o balão, simulando uma evacuação. Considera-se o teste negativo se houver a eliminação em até três tentativas com tempo máximo de 60 segundos cada uma. Caso não haja a eliminação do balão contendo água após 3 tentativas, o teste é positivo, podendo corroborar com dissinergia do assoalho pélvico.

Convencional x Alta resolução

A MNAR convencional teve, em nosso meio, sua disseminação e metodologia de execução a partir de 1993. Para tanto, utiliza-se uma sonda com oito orifícios radiais localizados em sua extremidade e por onde as pressões esfincterianas são mensuradas através da resistência oferecida ao fluxo de água a 0,3-0,5 ml/minuto/canal. Para sua execução insere-se a sonda até 6 cm da borda anal e traciona-se o cateter a cada centímetro de maneira estacionária.

Por outro lado, os aparelhos mais recentes de MNAR, conhecidos como de alta resolução, apresentam 24 ou 36 canais, distribuídos radialmente e de maneira escalonada de 1 a 6 cm da extremidade do cateter. Para sua realização insere-se a sonda a 6 cm da borda anal, deixando-a estática com mensurações sucessivas dos dados acima mencionados, seguindo um protocolo específico conhecido como Protocolo de Londres, que padronizou melhor a MNAR de alta resolução em relação à convencional.

Essa nova tecnologia de realização de MNAR apresenta como principais vantagens:

  • gráficos com melhor visualização espacial;
  • menor incomodo ao paciente, notadamente aqueles com quadro de dor anal, tal como fissura crônica;
  • melhor padronização técnica;
  • menor necessidade da participação do técnico de enfermagem que auxilia o exame;

Entretanto, apesar dessas vantagens e de uma maior atuação do sistema tecnológico na confecção dos laudos, qualquer das técnicas disponíveis não substitui a importância da correta execução e interpretação dos dados pelo médico que executa o exame.

Conclusão

O exame de manometria anorretal, seja convencional ou de alta resolução, é um recurso propedêutico importante na abordagem de pacientes com distúrbios do assoalho pélvico, especialmente na incontinência anal e constipação intestinal refratária, podendo também ser empregado método no pré-operatório de cirurgias colorretais e/ou orificiais em situações específicas.

Leia também: Rastreamento de neoplasia intraepitelial anal e prevenção de câncer de ânus

Como citar este artigo

Pinto RA. Manometria Anorretal: conceitos, indicações e técnica Gastropedia 2023, vol. 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/manometria-anorretal-conceitos-indicacoes-e-tecnica




Pancreatite Crônica – principais etiologias e risco associado de Neoplasia Pancreática

O termo pancreatite crônica (PC) é usado para definir uma doença fibro inflamatória do pâncreas, de caráter progressivo e irreversível, e que pode cursar com dor abdominal como sintoma e perda das funções exócrina e endócrina da glândula.

Causas de pancreatite crônica

O que se discute atualmente na literatura são as possíveis causas para essa patologia. O álcool já está bem estabelecido como o principal fator de risco ambiental para o surgimento da PC (42-77% dos casos). Os pacientes considerados etilistas moderados ou severos (35-48 drinks por semana) têm um risco relativo de 2,7 a 3,3 para o desenvolvimento da doença em um estudo observacional dinamarquês.

Outro fator de risco ambiental é o tabagismo, que é muito prevalente nos pacientes com PC, e atualmente considerado um fator de risco independente para o surgimento da patologia. É um fator de risco potente, inclusive, para quadros de pancreatite aguda de repetição, que por vezes culminam no aparecimento de PC. No caso do tabagismo, o risco relativo é de 1,93 para fumantes atuais comparado com pessoas que nunca fumaram.

Outras causas de PC incluem as etiologias autoimunes (tanto a pancreatite autoimune tipo I – doença relacionada a IgG4 – quanto a pancreatite auto-imune tipo II são consideradas etiologias de pancreatite crônica), as etiologias obstrutivas (como nos casos de neoplasias, cistos, estenoses cicatriciais do ducto pancreático principal, disfunções do esfíncter de oddi e pancreas divisum), as Pancreatites Agudas de Repetição (PAR) e as etiologias genéticas.

Mesmo após estudo genético, cerca de 10-15% das PC ainda permanecem como idiopáticas, sugerindo que há muito desconhecimento nesse campo.

Genética pancreática e risco de neoplasia

A genética das patologias pancreáticas é extremamente complexa, podendo vários genes estarem envolvidos nos fenótipos apresentados. Muitas mutações podem levar a um quadro de PAR, que culmine com fibrose da glândula, e outras mutações ou polimorfismos que levam diretamente ao aparecimento da PC.

Os principais genes envolvidos na patogênese da PC estão listados a seguir:

  • PRRS-1: gene do tripsinogênio catiônico – mutação de herança autossômica dominante, responsável pela Pancreatite Crônica Hereditária.
  • SPINK-1: gene que, na ausência de mutações patogênicas, previne a ativação do tripsinogênio.
  • CFTR: gene que codifica os canais de cloro na membrana das células ductais – são as mutações nesse gene que podem incorrer nos fenótipos da Fibrose Cística
  • CTRC: gene que promove a degradação do tripsinogênio e que mutado perde esse mecanismo de proteção

Existem diversos outros genes elencados como coadjuvantes nos processos patológicos do pâncreas, e provavelmente outros que ainda não temos conhecimento. O fato é que, nas pancreatites associadas a uma ou mais mutações genéticas, o risco de Adenocarcinoma Ductal do Pâncreas é superior ao de outras pancreatites e muito superior ao risco populacional. Os pacientes com mutações do PRRS-1 e SPINK-1 têm risco cumulativo de 53% de neoplasia pancreática aos 75 anos de idade, ao passo que as PC alcoólicas tem esse mesmo risco calculado de 4%.

Entretanto, observou-se que esse risco pode ser ainda maior nos pacientes tabagistas. O cigarro é o principal fator de risco para neoplasia pancreática não associada com PC, e quando somados os riscos dos genes mutados com o tabagismo

Outras mutações (como a do CFTR e CTRC) não parecem contribuir para um aumento expressivo na incidência de câncer de pâncreas. Assim como as outras causas de PC, como pancreatite auto-imune ou causas mais raras, também não conferem risco adicional expressivo de neoplasia.

Etiologia
Risco estimado de Neoplasia Pancreática
PC alcoólica Incidência de 2 e 4% após 5 e 20 anos de evolução, respectivamente
Pancreatite Hereditária (mutação do PRSS-1) Incidência de 10, 19 e 53,5% aos 50, 60 e 75 anos, respectivamente
Mutações SPINK-1 Incidência de 2, 28 e 52% aos 60, 70 e 80 anos, respectivamente
Mutações CFTR Aumento do risco relativo em 1,41 comparados com grupo controle
Mutações CTRC, CARS, CLDN2, CPA1 e outras Sem dados disponíveis devido a frequência baixa dessas mutações
Adaptado de Le Cosquer, G et al. Cancers 2023

Embora haja essa maior incidência de adenocarcinoma ductal de pâncreas na população com PC, não existem estudos que sugiram uma estratégia eficiente de screening para todos os pacientes. Para os pacientes com mutações no PRSS-1 (ou com a suspeita da mutação, nos casos mais de dois familiares acometidos por PC) está recomendado pelo grupo internacional o screening anual com exame de imagem (tomografia computadorizada ou ressonância magnética). A utilização da ecoendoscopia não foi recomendada, pois pode ser falseada por inflamação, fibrose ou calcificações. Ainda mais estudos são necessários para recomendações em relação a outras mutações e outras etiologias.

Apesar dos recentes avanços, há ainda um vasto campo desconhecido quanto a etiologia e fatores de risco para PC, e mais estudos são necessários para que possamos desvendar todos os mistérios acerca desse tema.

Referências

  1. Singh, VK et al. Diagnosis and Management of Chronic Pancreatitis A Review. JAMA. 2019;322(24):2422-2434.
  2. Hart, PA et al. Chronic Pancreatitis: Managing a Difficult Disease. Am J Gastroenterol. 2020 January ; 115(1): 49–55.
  3. Aune, D et al. Tobacco smoking and the risk of pancreatitis: a systematic review and meta-analysis of prospective studies. Pancreatology, 2019 Dec;19(8):1009-1022.
  4. Gardner, TB et al. ACG Clinical Guideline: Chronic Pancreatitis. Am J Gastroenterol 2020;115:322–339.
  5. Le Cosquer, G et al. Pancreatic Cancer in Chronic Pancreatitis: Pathogenesis and Diagnostic Approach. Cancers 2023, 15, 761.
  6. Greenhalf, G et al. International consensus guidelines on surveillance for pancreatic cancer in chronic pancreatitis. Recommendations from the working group for the international consensus guidelines for chronic pancreatitis in collaboration with the International Association of Pancreatology, the American Pancreatic Association, the Japan Pancreas Society, and European Pancreatic Club. Pancreatology 2020, 20, 910-918

Como citar este artigo

Marzinotto M. Pancreatite Crônica – principais etiologias e risco associado de Neoplasia Pancreática Gastropedia 2023, vol 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/pancreatite-cronica-principais-etiologias-e-risco-associado-de-neoplasia-pancreatica/




O que você precisa saber sobre Espasmo Esofágico Distal

O que é?

É um raro distúrbio motor do esôfago caracterizado por contrações prematuras e rapidamente propagadas ou simultâneas (espásticas) em esôfago distal. Estudos estimam que a prevalência é em torno de 2% a 9% em pacientes com disfagia submetidos a testes de motilidade esofágica, sendo mais comum em mulheres com idade média de 60 anos.

Os sintomas do espasmo esofágico distal foram descritos clinicamente pela primeira vez pelo Dr. Osgood em 1889.[1] Ele descreveu seis pacientes com queixa de dor torácica súbita e disfagia durante a alimentação, com eventual sensação de passagem do alimento para o estômago. Em 1934, Moersch & Camp usaram o termo “espasmo difuso da parte inferior do esôfago” para descrever achados de contrações anormais em oito pacientes com dor torácica e disfagia.[2] Desde então, conforme avanços tecnológicos e melhorias nas técnicas de avaliação diagnóstica, sua definição passou por revisões ao longo do tempo.

Fisiopatologia

O espasmo esofágico distal surge por uma coordenação anormal da musculatura lisa esofágica, provavelmente decorrente de um desequilíbrio entre as vias inibitórias (óxido nítrico – NO) e excitatórias (colinérgicas). A depleção de NO em indivíduos controle, por exemplo, é capaz de induzir contrações esofágicas distais simultâneas, confirmando o papel de uma redução no tônus inibitório. Em contraste, a reposição de NO prolonga a latência distal em pacientes com espasmo.

Essa fisiopatologia parece ser compartilhada pela acalasia, onde a perda de neurônios mioentéricos inibitórios leva ao comprometimento do relaxamento do esfíncter esofágico inferior. Essa relação e alguns relatos de casos questionam se o espasmo poderia progredir para acalasia (principalmente tipo III). No entanto, nestes relatos a avaliação foi realizada primordialmente pela manometria convencional, que, por ter menos canais, pode subdiagnosticar a acalasia devido à possibilidade de pseudorelaxamento do esfíncter inferior do esôfago.

O espasmo esofágico pode estar associado à doença do refluxo gastroesofágico (DRGE). Em pacientes com espasmo, a DRGE foi detectada pela pHmetria ou endoscopia em 38% dos casos. Contudo, ainda não é bem definido a causalidade e o papel da terapia antissecretora nesta situação. O uso de opioides também claramente podem afetar a motilidade esofágica e, portanto, estas medicações devem ser descartadas neste contexto. Além disso, séries de caso demonstram que o espasmo pode estar associado a doenças psiquiátricas.

Como diagnosticar?

Quando suspeitar?

A apresentação clínica é heterogênea e não específica. As queixas mais comuns são disfagia (55%) e dor torácica não cardíaca (29%), mas também pode se apresentar com regurgitação, pirose, perda de peso, náuseas e vômitos. Tipicamente, os sintomas são intermitentes, durando de segundo a minutos, e podem ou não estar relacionados ou não a refeições.

Quais exames pedir?

  • Endoscopia digestiva alta: Exame inicial fundamental para excluir diagnósticos diferenciais, tais como neoplasia, anéis e membranas, hérnia de hiato, esofagite eosinofílica. Embora a endoscopia não seja realizada para confirmar o espasmo em si, ela pode apresentar comportamentos sugestivos de distúrbio de motilidade, como contrações esofágicas distais espásticas, vigorosas e/ou descoordenadas, com retenção de saliva ou líquido no lúmen esofágico. Estas características, no entanto, podem ser facilmente ignoradas dada a natureza intermitente do espasmo esofágico.
  • Esofagograma baritado (Raio-X contrastado esôfago-estômago-duodeno, seriografia): É outro método diagnóstico adjuvante na disfagia. A aparência de “saca-rolhas” ou “rosário” é um achado clássico (Figura 1). Além disso, é capaz de determinar anormalidades anatômicas que podem estar associadas ao espasmo, tais como divertículo esofágico.

Figura 1. Vídeo com esofagograma evidenciando “esôfago em saca-rolha”, sugestivo de espasmo esofágico distal

  • Manometria esofágica: É considerada o padrão-ouro para o diagnóstico. Na manometria de alta resolução, o ponto-chave para diagnóstico de espasmo passou a ser o tempo de latência distal (DL), que é definido como o tempo entre o relaxamento do esfíncter esofágico superior induzido pela deglutição e o ponto de desaceleração contrátil no esôfago distal, onde a velocidade de propagação diminui (Figura 2).
ESE: Esfíncter superior do esôfago; BK: Quebra (Break); DCI: Integral de contratilidade distal (Distal Contractile Integral); DL: Latência distal (Distal latency); IRP: Pressão integral de relaxamento (Integrative Relaxation Pressure); JEG: Junção esofagogástrica.
Figura 2. Registro de uma deglutição normal captada por aparelho de manometria de alta resolução com sistema de perfusão, mostrando as marcações dos parâmetros tradicionais da Classificação de Chicago.

Uma contração com DL inferior a 4,5 segundos recebeu o termo “contração prematura” (Figura 3). Este valor de normalidade foi estabelecido para o sistema de estado sólido e é utilizado como referência para a Classificação de Chicago 4.0. Contudo, o sistema de manometria de alta resolução por perfusão ainda é o mais frequentemente usado no Brasil devido à sua maior durabilidade e ao menor custo do cateter e do sistema de transdução de pressão associado.

Buscando valores normativos para este sistema de perfusão em nossa população, trabalhos recentes realizaram manometria em voluntários assintomáticos e identificaram pontos de corte de 5,8 segundos[3] e 6,2 segundos[4], sugerindo que talvez estejamos subdiagnosticando o espasmo ao utilizar o valor de DL de 4,5 segundos em exames com o aparelho de perfusão. No entanto, é necessária a validação destes valores em pacientes para definir se eles realmente conseguem se correlacionar com os sintomas e com os diagnósticos propostos pela Classificação de Chicago 4.0.

Conforme a classificação de Chicago 4.0 (clique aqui), o espasmo esofágico distal é caracterizado pela presença de pelo menos 20% de contrações prematuras em esôfago distal, juntamente com uma pressão normal de relaxamento do esfíncter inferior. Para que o diagnóstico manométrico seja clinicamente relevante, é necessário que existam sintomas compatíveis.

Esta definição de Chicago mudou o foco da velocidade peristáltica para o DL como critério definidor do espasmo. Alguns autores destacam, contudo, que a presença de ondas simultâneas, mesmo com o DL normal, ainda poderia também ser considerada no diagnóstico de espasmo.

Figura 3. Registro de uma contração prematura (DL < 4,5 segundos) captada por aparelho de manometria de alta resolução com sistema de perfusão.

  • FLIP: Exame ainda pouco disponível no Brasil, que discutimos melhor AQUI. Sua principal utilidade no contexto é avaliar o esfíncter inferior do esôfago e garantir que não há uma obstrução ao fluxo, especialmente porque o espasmo compartilha uma via fisiopatológica comum com a acalasia espástica.

Como tratar?

Devido à falta de ensaios clínicos suficientes e às manifestações heterogêneas, não há uma recomendação muito bem definida para o espasmo esofágico. As opções são:

  • Tratamento medicamentoso

    • Inibidores de bomba de prótons: Considerar naqueles pacientes com suspeita de DRGE;
    • Relaxantes da musculatura lisa: nitratos (ex: dinitrato de isossorbida 5-10 mg sublingual 5 a 10 minutos antes de refeições no caso de disfagia ou sob demanda se dor torácica), inibidores de 5-fosfodiesterase (sildenafil), bloqueadores de canal de cálcio (diltiazem 180 a 240 mg/dia ou nifedipino 10-30 mg aproximadamente 10-15 minutos antes das refeições)
    • Antidepressivos tricíclicos: Principalmente se a dor torácica for o sintoma principal. Ex: imipramina, trazodona, amitriptilina

  • Tratamento endoscópico

    • Miotomia endoscópica peroral (POEM)
    • Toxina botulínica: 100 UI em cada quadrante do EIE / esôfago distal. A eficácia geralmente é limitada a 6-12 meses.
    • Dilatação pneumática esofágica: considerar apenas se disfagia associada. Sucesso questionável.

  • Tratamento cirúrgico: Miotomia cirúrgica laparoscópica (Heller).

A Figura 4 traz um fluxograma com a abordagem sugerida para o espasmo esofágico distal.

Figura 4: Algoritmo proposto para a abordagem do espasmo esofágico difuso.

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Referências

  1. Osgood H. A Peculiar Form of Œsorhagismus. Bost Med Surg J 1889;120:401–5. doi:10.1056/NEJM188904251201701.
  2. Moersch HJ, Camp JD. Diffuse Spasm of the Lower Part of the Esophagus. Ann Otol Rhinol Laryngol 1934;43:1165–73. doi:10.1177/000348943404300425.
  3. Domingues GR, Michelsohn NH, Viebig RG, Chinzon D, Nasi A, Andrade CG, et al. Normal values of esophageal high-resolution manometry: A Brazilian multicenter study. Arq Gastroenterol 2020;57:209–15. doi:10.1590/s0004-2803.202000000-40.
  4. da Silva RMB, Herbella FAM, Gualberto D. Normative values for a new water-perfused high resolution manometry system. Arq Gastroenterol 2018;55:30–4. doi:10.1590/s0004-2803.201800000-40.
  5. Zaher EA, Patel P, Atia G, Sigdel S. Distal Esophageal Spasm: An Updated Review. Cureus 2023;15:1–7. doi:10.7759/cureus.41504.
  6. Valdovinos-Díaz MA, Ortega AJ, Bashashati M, McCallum RW. Esophageal spasm and hypercontractile motility disorders. Handb. Gastrointest. Motil. Disord. Gut-Brain Interact., Elsevier; 2023, p. 47–58. doi:10.1016/B978-0-443-13911-6.00021-9.
  7. Akhtar TS, Nawaz A, Nisar G, Khan AR, Abbas S. Distal esophageal spasm (DES) can be achalasia in evolution: A case report. J Clin Images Med Case Reports 2023;4:2252. doi:www.doi.org/10.52768/2766-7820/2252.
  8. Gorti H, Samo S, Shahnavaz N, Qayed E. Distal esophageal spasm: Update on diagnosis and management inthe era of high-resolution manometry. World J Clin Cases 2020;8:1026–32.
  9. Khalaf M, Chowdhary S, Elias PS, Castell D. Distal Esophageal Spasm: A Review. Am J Med 2018;131:1034–40. doi:10.1016/j.amjmed.2018.02.031.
  10. Yadlapati R, Kahrilas PJ, Fox MR, Bredenoord AJ, Prakash Gyawali C, Roman S, et al. Esophageal motility disorders on high‐resolution manometry: Chicago classification version 4.0 ©. Neurogastroenterol Motil 2021;33. doi:10.1111/nmo.14058.

Como citar este artigo

Lages RB. O que você precisa saber sobre Espasmo Esofágico Distal Gastropedia 2023, vol. 2. Disponível em:
gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/esofago/o-que-voce-precisa-saber-sobre-espasmo-esofagico-distal/ 




Fluxograma de tratamento do câncer gástrico

A associação japonesa de câncer gástrico (JGCA) publica periodicamente suas diretrizes para o tratamento do câncer gástrico (CG). A sexta e última edição foi publicada em inglês no periódico Gastric Cancer em 2022.(1) A figura abaixo demonstra essas diretrizes de forma adaptada incorporando algumas diretrizes ocidentais.

Alguns pontos merecem destaque:

Não houve mudança dos critérios de indicação para tratamento endoscópico e os critérios de cura endoscópica (eCURA) incorporados na 5ª edição continuam presentes. Maiores detalhes sobre os critérios eCURA podem ser consultados no post de nossa colega Renata Nobre – Critérios de indicação e cura do ESD gástrico (eCura) (2)

Outro ponto interessante foi a possibilidade da quimioterapia de conversão para doença oligometastática. A definição de doença oligometastática ainda é controversa. Na diretriz japonesa foi considerado a possibilidade de conversão para acometimento dos linfonodos cadeias 16a2 e 16b1, metástase hepática ressecável, citologia oncótica peritoneal positiva e carcinomatose peritoneal restrita (p1). Recentemente um grupo de trabalho Europeu definiu o CG oligometastático quando restrito à um órgão com ≤ 3 metástases ou 1 sítio de metástase linfonodal a distância.(3) O real benefício da cirurgia de conversão para esses pacientes provavelmente será esclarecido pelo estudo alemão prospectivo randomizado FLOT5 que ainda está em andamento. Esse estudo compara um grupo submetido a tratamento quimioterápico exclusivo com um grupo submetido a quimioterapia de conversão seguida por gastrectomia.(4) Saiba mais sobre terapia de conversão no CG nesse outro artigo (clique aqui).

Por fim, vale destacar a quimioterapia neoadjuvante para tumores avançados e/ou com metástases linfonodais. Nas diretrizes japonesas a indicação de quimioterapia neoadjuvante ocorre apenas na presença de “bulky” linfonodal. Entretanto, no ocidente é cada vez mais comum e indicação de neoadjuvancia/pré-operatória mesmo nos casos sem bulky linfonodal.

Referências

  1. Japanese Gastric Cancer Treatment Guidelines 2021 (6th edition). Gastric Cancer. 2023;26(1):1-25.
  2. Moura RN. Você sabe quais os critérios de indicação e cura do ESD gástrico (eCura)? Endoscopia Terapêutica; 2022.  Disponível em: endoscopiaterapeutica.com.br/assuntosgerais/criterios-esd-gastrico-ecura
  3. Kroese TE, van Laarhoven HWM, Schoppman SF, Deseyne P, van Cutsem E, Haustermans K, et al. Definition, diagnosis and treatment of oligometastatic oesophagogastric cancer: A Delphi consensus study in Europe. Eur J Cancer. 2023;185:28-39.
  4. Al-Batran SE, Goetze TO, Mueller DW, Vogel A, Winkler M, Lorenzen S, et al. The RENAISSANCE (AIO-FLOT5) trial: effect of chemotherapy alone vs. chemotherapy followed by surgical resection on survival and quality of life in patients with limited-metastatic adenocarcinoma of the stomach or esophagogastric junction – a phase III trial of the German AIO/CAO-V/CAOGI. BMC Cancer. 2017;17(1):893.

Como citar este artigo

Ramos MFKP, Fluxograma de tratamento do câncer gástrico Gastropedia 2023 Vol 2. Disponível em:
gastropedia.pub/pt/cirurgia/fluxograma-de-tratamento-do-cancer-gastrico/




Prevenindo novos episódios de diverticulite aguda: quando tratar clinicamente e quando operar?

Introdução

A diverticulite aguda é um problema gastrointestinal comum e recorrente que se caracteriza pela inflamação de um ou mais divertículos no cólon. Ela pode ocorrer tanto em formas leves quanto graves, podendo causar complicações como fístulas, estenoses e perfurações intestinais. Estudos mostram que o risco de recorrência varia de 20% a 40% e que frequentemente a recorrência acontece nos primeiros 12 meses após o episódio inicial. Desta forma, é importante discutirmos as abordagens de prevenção secundária e indicar quando é apropriado recorrer à cirurgia.

Se quiser saber mais sobre a fisiopatologia da diverticulite aguda e outras compicações da doença diverticular, confira esse post: Doença diverticular do cólon: epidemiologia e fisiopatologia

Se quiser saber mais sobre o tratamento da diverticulite aguda, confira esse post: Tratamento da Diverticulite Aguda

Fisiopatologia da diverticulite aguda
Fisiopatologia da diverticulite aguda: Alterações da microbiota, perda da função de barreira, inflamação e trauma causado por fecalito são os principais mecanismos propostos para a diverticulite aguda.

Intervenções Dietéticas

Fibras Alimentares

A abordagem alimentar é frequentemente considerada a primeira linha de ação na prevenção de novos episódios. As diretrizes da American Gastroenterological Association (AGA) sugerem uma dieta rica em fibras para pacientes com histórico de diverticulite aguda [1]. No entanto, a qualidade da evidência por trás dessa recomendação é baixa. Alguns estudos mostram que a dieta rica em fibras não é eficaz na prevenção de episódios recorrentes ou no tratamento de sintomas gastrointestinais recorrentes em comparação com uma dieta padrão ou pobre em fibras.

Probióticos

Os probióticos são outra intervenção dietética em potencial, embora a falta de evidência sólida impeça sua recomendação para a prevenção secundária de diverticulite. Até o momento, os estudos disponíveis não forneceram dados convincentes sobre sua eficácia.

Terapias Farmacológicas

Mesalazina

A mesalazina, um anti-inflamatório não esteroide, foi extensivamente estudada para sua eficácia na prevenção de episódios recorrentes de diverticulite. Uma meta-análise envolvendo 2.461 pacientes não conseguiu demonstrar uma redução significativa nas taxas de recorrência em comparação com um placebo. No entanto, um estudo de menor escala (DIVA), apontou que a mesalazina poderia ter efeitos benéficos na minimização da gravidade dos sintomas e aceleração da recuperação [3].

Rifaximina

Outra opção terapêutica é a rifaximina, um antibiótico com baixa absorção. Alguns estudos mostraram que a rifaximina, quando usada em conjunto com suplementos de fibra, conseguiu reduzir significativamente o risco de recorrência. A associação de rifaximina com mesalazina parece ter melhor resultado do que a rifaximina sozinha (taxa de recorrência 2,7% vs 13,0%), sugerindo uma potencial sinergia entre as duas drogas.

Tratamento Cirúrgico

A abordagem para a cirurgia eletiva em pacientes com diverticulite aguda tem evoluído ao longo do tempo. Anteriormente, a cirurgia era recomendada principalmente após episódios recorrentes e complicados, como obstrução e formação de fístulas, especialmente após duas crises que necessitavam de hospitalização. No entanto, tanto as diretrizes da ASCRS como alguns estudos recentes, sugerem uma abordagem mais individualizada [6].

O número de episódios já não é mais o único critério para a decisão cirúrgica. Idade, condições médicas coexistentes, gravidade do episódio e sintomas persistentes também devem ser considerados. Esta mudança ocorre porque a maioria dos episódios recorrentes apresenta um curso benigno e somente uma minoria (5%) requer cirurgia urgente. Estes episódios recorrentes parecem apresentar menor risco de perfuração, talvez pela formação de aderências causadas pela inflamação pregressa.

É importante notar que, apesar da morbidade pós-operatória (10-15%) e do risco residual de recorrência da doença, estudos como o ensaio DIRECT demonstraram que a qualidade de vida melhora significativamente após a cirurgia em comparação com o manejo conservador [5]. No entanto, o manejo conservador resulta em mais reinternações devido à recorrência da doença.

A colectomia laparoscópica é o método cirúrgico recomendado, dadas suas vantagens em termos de menor morbidade e recuperação mais rápida. As principais indicações para a cirurgia incluem estenose, fístulas, hemorragia diverticular recorrente, pacientes jovens, pacientes imunossuprimidos e a impossibilidade de excluir carcinoma. Idealmente deve-se aguardar pelo menos 6 semanas após o episódio de agudização para realizar a cirurgia eletiva.

Por fim, é fundamental a discussão multidisciplinar para uma tomada de decisão informada, levando em consideração o perfil de risco cirúrgico, a necessidade de imunossupressão e a preferência do paciente.

Conclusão

A abordagem terapêutica para prevenir novos episódios de diverticulite aguda deve ser individualizada, considerando a gravidade e a frequência dos sintomas, o perfil de risco cirúrgico e as preferências do paciente. Novas pesquisas são necessárias para solidificar as melhores práticas em prevenção secundária, incluindo a eficácia de diferentes regimes farmacológicos e abordagens cirúrgicas.

Referências

  1. Stollman N et al. American Gastroenterological Association Institute Guideline on the Management of Acute Diverticulitis. Gastroenterology 149, 1944–1949 (2015). [PubMed: 26453777]
  2. Khan RMA, Ali B, Hajibandeh S & Hajibandeh S Effect of mesalazine on recurrence of diverticulitis in patients with symptomatic uncomplicated diverticular disease: a meta-analysis with trial sequential analysis of randomized controlled trials. Colorectal Disease 20, 469–478 (2018). [PubMed: 29520987]
  3. Stollman N, Magowan S, Shanahan F, Quigley EMM & DIVA Investigator Group. A randomized controlled study of mesalamine after acute diverticulitis: results of the DIVA trial. J. Clin. Gastroenterol. 47, 621–629 (2013). [PubMed: 23426454]
  4. Tursi A, Brandimarte G & Daffinà R Long-term treatment with mesalazine and rifaximin versus rifaximin alone for patients with recurrent attacks of acute diverticulitis of colon. Digestive and Liver Disease 34, 510–515 (2002). [PubMed: 12236485]
  5. Bolkenstein HE, Consten ECJ, van der Palen J, van de Wall BJM, Broeders IAMJ, Bemelman WA, Lange JF, Boermeester MA, Draaisma WA; Dutch Diverticular Disease (3D) Collaborative Study Group. Long-term Outcome of Surgery Versus Conservative Management for Recurrent and Ongoing Complaints After an Episode of Diverticulitis: 5-year Follow-up Results of a Multicenter Randomized Controlled Trial (DIRECT-Trial). Ann Surg. 2019 Apr;269(4):612-620. doi: 10.1097/SLA.0000000000003033. PMID: 30247329.
  6. Hall J, Hardiman K, Lee S, Lightner A, Stocchi L, Paquette IM, Steele SR, Feingold DL; Prepared on behalf of the Clinical Practice Guidelines Committee of the American Society of Colon and Rectal Surgeons. The American Society of Colon and Rectal Surgeons Clinical Practice Guidelines for the Treatment of Left-Sided Colonic Diverticulitis. Dis Colon Rectum. 2020 Jun;63(6):728-747.
  7. Tursi A, Scarpignato C, Strate LL, Lanas A, Kruis W, Lahat A, Danese S. Colonic diverticular disease. Nat Rev Dis Primers. 2020 Mar 26;6(1):20. doi: 10.1038/s41572-020-0153-5. PMID: 32218442

Como citar este artigo

Martins BC e Camargo MGM. Prevenindo Novos Episódios de Diverticulite Aguda: Quando Tratar Clinicamente e Quando Operar? 2023; vol 2. Disponível em: https://gastropedia.pub/pt/cirurgia/colorretal/prevenindo-novos-episodios-de-diverticulite-aguda-quando-tratar-clinicamente-e-quando-operar/




Atualizações no diagnóstico de DRGE: Consenso de Lyon 2.0 (2023)

Desde 2018, o consenso de Lyon tornou-se a principal referência para definição de critérios para diagnóstico de certeza da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE). Contudo, a ciência está em constante evolução e, portanto, acaba de ser publicada a versão 2.0 deste consenso, atualizando as recomendações conforme os resultados de estudos dos últimos cinco anos. Caso queira acesso a esta nova versão na íntegra, basta clicar aqui. O Gastropedia, contudo, traz aqui os highlights para facilitar sua vida.

Qual a relevância?

A presença de sintomas típicos de DRGE, por vezes, é suficiente para a prescrição de terapia medicamentosa com antissecretores (ex: inibidores de bomba de prótons, bloqueadores ácidos competitivos de potássio). Contudo, um diagnóstico inquestionável de DRGE é recomendado para investigar sintomas não típicos, avaliar adequadamente pacientes com sintomas refratários, justificar o uso prolongado de medicamentos ou indicar terapia invasiva.

Quais as principais mudanças?

  • Esofagite erosiva Los Angeles grau B passa a ser evidência conclusiva para diagnóstico de DRGE, seguindo tendência das publicações dos guidelines de 2022 da AGA (American Gastroenterological Association) e da ACG (American College of Gastroenterology clique aqui e veja resumo que publicamos previamente no Gastropedia!);
  • Definição de métricas para usar na pHmetria prolongada sem fio;
  • Definição de parâmetros para diagnóstico de DRGE refratária em exames realizados em uso de tratamento antissecretor;
  • Reforça que pacientes com sintomas atípicos isolados têm uma menor probabilidade de associação com DRGE e que, portanto, devem preferencialmente ser investigados com endoscopia e monitorização prolongada de refluxo em detrimento de terapia empírica (você pode ler mais sobre o tema clicando aqui);

Quando eu tenho um diagnóstico de certeza de DRGE?

  • Critérios em endoscopia digestiva alta (para maximizar o rendimento diagnóstico, realizar 2 a 4 semanas após suspender terapia antissecretora):

    • Esofagite erosiva graus B, C ou D;
    • Esôfago de Barrett confirmado em biópsia;
    • Estenose esofágica péptica.

  • Critérios em exames de monitorização prolongada de refluxo

    • Tempo de exposição ácida total (AET) > 6%
    • > 80 episódios de refluxo
    • Média noturna basal da impedância (MNBI) < 1500 Ω

  • Quando há evidências limítrofes ou inconclusivas nos exames de endoscopia e de monitorização prolongada de refluxo apoiadas por evidências adjuvantes.

Devo suspender ou não o IBP para realizar a pHmetria?

Na maioria das vezes, o exame de monitorização prolongada do refluxo deve ser realizado após a suspensão da terapia antissecretora por pelo menos 7 dias. Contudo, suspender ou não o IBP irá depender dos exames prévios e do objetivo do exame, conforme descrito a seguir:

  • Exame SEM terapia antissecretora por pelo menos 7 dias: Utilizar quando eu ainda quero confirmar DRGE (no caso, por exemplo, de investigação em paciente com endoscopia sem esofagite erosiva ou com Los Angeles A);
  • Exame EM terapia antissecretora: Utilizar quando eu já tenho certeza de que tem DRGE, mas quero investigar porque os sintomas persistem. Neste caso, o uso de impedâncio-pHmetria pode ser superior, uma vez que possibilita a identificação de refluxos não-ácidos ou fracamente ácidos.

A seguir, segue um resumo dos achados que estabelecem evidência conclusivas para DRGE conforme Consenso de Lyon 2.0.

Figura 1: Definições para diagnóstico de certeza da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) conforme Consenso de Lyon 2.0. Adaptado de Gyawali CP et al, 2023.

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Referências

  1. Gyawali CP, Yadlapati R, Fass R, et al. Updates to the modern diagnosis of GERD: Lyon consensus 2.0. Gut. Epub ahead of print 21 Sep 2023. doi: 10.1136/gutjnl-2023-330616

Como citar este artigo

Lages RB. Atualizações no diagnóstico de DRGE: Consenso de Lyon 2.0 (2023) Gastropedia 2023, vol. 2. Disponível em: gastropedia.pub/pt/gastroenterologia/esofago/atualizacoes-no-diagnostico-de-drge-consenso-de-lyon-2-0-2023/